domingo, 17 de julho de 2011

E SE FOSSE DIFERENTE?

Lapidar minha procura, toda trama, lapidar o que o coração com toda inspiração achou de nomear gritando: alma. (Anima – Zé Renato e Milton Nascimento)


Foi quando olhei pela janela que vi todos os caminhos abertos para fazer estrada. Para quê? Pra encontrar o outro. Para quê? Pra se encontrar. Mas, se é assim, por que, então, os caminhos são sinuosos? Encontram-se, desencontram-se. Saem, chegam. Por quê? Porque é disso que você foi feito: dos seus encontros e desencontros. Numa palavra, dos seus (des) caminhos.

O andar desembaraçado dos mais jovens mostra que eles ainda não avaliam o terreno que pisam. O andar pesado dos mais velhos mostra que eles conhecem os caminhos, mas não se acostumaram direito a caminhar.

Que caminhos você anda percorrendo? Você é feliz? Alguém que me respondeu a essa pergunta, saiu com essa: Eu estou bem... feliz já é demais!

Certo, ele. Mas concorda comigo que essa é a primeira pergunta, na verdade, por onde tudo começa?

Abra todos os livros de auto-ajuda, folheie revistas de comportamento, veja programas de TV (os-da-tarde), pergunte aos amigos. A primeira grande preocupação de todos é um trem chamado realização pessoal. Realização pessoal a todo o momento, a qualquer preço. As crianças são as mais exigidas. O mercado quer eficácia. As pessoas querem realização. Mas, o que é isso: realização?

Pra começar, o que não é. Realização pessoal não são sensações subjetivas de bem estar. Pra isso serve o sorvete na praça, na praia, no domingo. Ou a cerveja. Ou o bom vinho. Ou...

Mas, então, o que é realização pessoal?

Vou responder como professor: realização pessoal é a capacidade de você colocar em ato as suas potencialidades. Agora, vou responder como criança: realização pessoal é você colocar uma capa de super-homem, pular da janela e... voar. Bom, né! Será que não existe uma capa dessas no fundo da gaveta?

Tsss, a capa pode até existir. A dificuldade é outra. Sabe por que você não voa quando pula? Você não voa porque não sabe amarrar a capa ao pescoço. É isso aí. Ta pensando o quê: que é fácil amarrar uma capa de super-homem do jeito certo? Só ele sabe amarrar. É por isso que ele voa!
Para aprender a amarrar essa capa do jeito certo, existem alguns – como vou chamar? – direcionamentos. Detesto essas receitas de bolo de caixinha! Porém, se ajudar, fazer o quê, né?

Vamos lá.

Realização pessoal não existe sem o outro e sem o mundo. Nem pra tomar banho você é auto-suficiente. Existe o funcionário da SABESP, OK?

Realização pessoal está intimamente associada à idéia que você faz de si mesmo. O que você pensa de você?

Realização pessoal está ligada à autenticidade e à verdade dos papéis que você representa. Até para não ser você mesmo, é preciso ser você mesmo.

Realização pessoal tem de estar integrada ao projeto que você se propôs, na realidade em que vive. Falando nisso, qual é o seu projeto do momento?

Realização pessoal está ligada a sua capacidade de tolerância à frustração. Esse é o “ponto do doce”. É sim! Tolerância à frustração também se aprende. Você teve a infância inteira, a adolescência inteira, a juventude inteira, a maturidade inteira para aprender. Não deu tempo? Então, que tal a vida inteira?

Finalmente, e mais importante. Realização pessoal só vai acontecer se existir entre você e a sua meta de vida uma mediação de valores que seja, pelo menos, maiores que vocês dois: você e a tal meta. Numa palavra, precisa haver valores transcendentes. Já falei e volto a falar: transcendência não significa devoção, religião, ou qualquer outro “ão”. Você quer essas coisas? Ta bom, pode haver. Mas, não necessariamente.


Transcendência é aquilo que faz você se erguer sobre os próprios pés cada vez que quiser ou precisar entender a sombria realidade. Um filme faz isso, uma música, também faz. Um texto, um pôr-do-sol, um ombro. Uma devoção. Tudo o que fizer você se erguer, para poder clarear o que a vida embaçou, é transcendência. Tudo o que fizer você criar, também é.


Há um potencial criativo imenso dentro de você.

Se você não desenvolver esse potencial, pode acabar sofrendo sem saber por que e sem saber do quê, represado sobre si mesmo, blindado numa onipotência sempre e cada vez mais infantil. Aja assim, se você quiser garantir o reconhecimento doentio de que seus sonhos nunca serão realizados, nem levados a sério, sequer ouvidos. Aja assim: feche-se ao mundo.

Uma incapacidade crônica de dar sentido às coisas vai tomar conta dos seus dias e eles se tornarão intermináveis. E, aí, ven a nulidade: você vai acabar um cansativo repetidor de fórmulas de uma mesmice caduca, que você sempre tentará requentar para parecer nova. Esse é o óbvio manco. Sem perceber que paga, você paga um preço muito alto, pior, por uma satisfação que não tem. Se sua auto-percepção for infiltrada por buracos negros de falta de confiança e de valorização pessoal, nessa hora, você escorregou ladeira a baixo.

O que acontece, então?

Um bloqueio na percepção dos outros, uma falta de integração no grupo, uma retração, um fechamento sobre si mesmo, um entorpecimento de energias. Ou um desvio fugidio para atividades onde você encontra a gratificação que a vida não lhe traz. Se você fizer disso ajuda ao próximo, tanto melhor para ele, mas sinto não poder afirmar o mesmo de você. Sua vida passa a ser dominada por comportamentos e procedimentos com cargas emocionais muito primitivas: ansiedade, medo, onipotência, culpa. Uma angústia de dar dó! A dúvida instalada daquilo que você faz, e do qual nunca você duvidou antes. Ilusões novas, acenando do outro lado da rua, com apelos confusos. O tombo é feio!

Há caminhos sem volta?

Prefiro crer que não. No entanto, à medida que a neurose nossa de cada dia se torna feroz, sentimentos predominantes de rejeição, raiva e abandono vão produzindo um inchaço no ego, um “edema”, mais ou menos como acontece depois que um tecido é lesado. É um edema produzido pela onipotência infantil. Não seria o mesmo que dizer que você está apanhando de você mesmo? Há gente que apanha tanto de si mesma que produz hematomas roxos, na pele, como se realmente tivesse levado uma surra.
É claro que não precisa ser assim.

A vida humana não é predeterminada por necessidades egocêntricas e primitivas, infantis e deficitárias. A alma busca incansavelmente potenciais de expressão, atualização e, sobretudo, transcendência. Eu sei que você sabe disso. O meu medo – e eu sempre torço pra estar errado – é que, mesmo tendo os ingredientes e sabendo cozinhar, assim mesmo, o cozinheiro venha a morrer de fome.

Pra quê, né?

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