quarta-feira, 13 de julho de 2011

A ALDEIA

“Se queres ser universal, fala da tua aldeia.” (E. Hermingway)

Todo mês de outubro, das torres Matriz, descia uma cascata de luz em forma de rosário, construída por 170 contas feitas de pequenas lâmpadas coloridas. Aquilo era lindo! Eu nem sei o que pensava na época. Não há a menor dúvida de que acreditava que anjos ali houvessem colocado um sinal do Céu, para nos lembrar que aquele era o mês de outubro e que, no mês de outubro, se rezava o terço.

Todo mês de dezembro, no canto direito Matriz, armava-se o presépio num painel de fundo onde brilhava a cidade de Belém. Papel celofane colorido colado às janelinhas das casas permitia à luz passar, e daquela luz a gente se iluminava. Aquilo também era lindo!

Que anjos teriam dependurado o rosário de luz ou iluminado às janelinhas do presépio? Ora, nenhum!

A gente cresce e percebe que o rosário iluminado era apenas fiação elétrica e a cidade de Belém, apenas um painel pintado à mão. No entanto, quem diz que o encantamento diminui? Quem disse que saber o princípio das coisas faz com que elas percam a capacidade de nos adiantar o fim? Saber onde começa e aonde vai a razão das coisas não altera nem elimina a beleza e a força que elas têm. O rosário iluminado continua atuando por detrás da busca de um sentido maior da vida, ainda que ninguém mais o coloque lá. O painel do presépio permanece iluminado como pano de fundo da reverência ao mistério supremo, ali, traduzido da maneira como toda criança pudesse entender. Com o tempo, sumiu de lá. Mas, não importa. Continua acendendo corações, e não mais paredes.

A criança cresce e é bom que cresça.

Mas não desaparece. A criança continua habitando uma sala encantada no castelo adulto. Lá, de onde ela consegue brincar para que o sisudo adulto não se esqueça da alegria, ela é linda, a criança é linda! Como eram igualmente lindos o rosário e o painel de luz. Se for preciso anotar alguma coisa, diria apenas que a criança precisa ser conduzida pelo adulto para não instalar rosários de luz no meio do carnaval, ou armar presépio na semana santa. Mas, só isso! De resto, é bom deixar a criança ser criança, mesmo ou, sobretudo, quando ela se expressa quando o adulto se retrai.

Há coisas que só o silêncio consegue falar: coisas de amor e de contemplação. Como diria Adélia: coisas de transcendência.Mas há coisas que precisam de palavras para serem ditas. E, na verdade, o que são as palavras, senão a fiação elétrica que conduz a luz do rosário e acende janelinhas no painel de Belém? Sem a energia, pra quê a fiação? Sem a fiação, como fazer a luz chegar?

Dessa reverência tecida de palavras e de silêncio foi que a vida me fez ver que Algo existe (ainda não sei bem o quê) e que, mesmo que não existisse, existiria o desejo de sua presença, só ela capaz de iluminar – como a luz do rosário e o painel do presépio – todas as fadigas, desalentos, decepções, frustrações, desencanto e tédio a que simplesmente o fato de viver constantemente nos expõe.

Porque a vida (ah, a vida!) não é bolinho não! Escapar dela para a arte, para ser abrangente, universal, é a única saída. O resto é loucura.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Renato, eu sou tão privilegiada por ter você na minha vida! As pessoas que passam pela sua vida são tão privilegiadas por isso...as pessoas que param para ler os seus textos, são tão privilegiadas!!

    Você mudou o seu caminho nesta vida, mas não mudou sua missão...você é um tocador de almas!!!
    Não importa a profissão, basta a intenção!
    Você acabaria fazendo isso na vida, tocando profundamente a alma das pessoas que cruzam seu caminho... para o bem, para uma consciência maior sobre muitas coisas...porque os seus textos são universais e estão sempre ligados a um amor maior.

    Eu me emociono muitíssimo porque eles falam acima de tudo sobre AMOR. Um AMOR, tão grande pela VIDA HUMANA, pelo SER HUMANO, que só um PAI poderia ter...
    [eu acredito no seu espírito Renato Lôbo, acredito que ele seja muito mais sábio que você se fez nesta vida, acredito que ele dite ao seu coração a forma como você deve escrever determinadas coisas...a vivência é sua, claro! Mas a forma como deve ser transmitida é que faz a diferença!]

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