quarta-feira, 20 de julho de 2011

ANDORINHA VOA COM...

“Andorinha voa com andorinha, maritaca voa com maritaca, urubu voa com urubu, morcego voa com morcego. Com quem você anda voando?” – perguntou o Padre para um seleto público infantil, no sermão da missa das crianças, de domingo. E explicou para o futuro da humanidade sentado naqueles grandes, antigos e enegrecidos bancos da Matriz, que cada pássaro só voa se for com outro pássaro igual.
- O bando com quem você voa – arrematou o Padre – é de gente igual a você.

No fundo da igreja, uma cutucou a outra com ar de entendimento total.
- Andorinha que voa com morcego, dorme de cabeça pra baixo! Li isso no Almanaque do Biotônico Fontoura.

O político não faz idéia do quanto o povo discute o discurso dele. Nem o locutor de rádio não tem noção de como o povo comenta o comentário dele. Nem o padre nem de longe avalia o alcance das próprias palavras. Sendo que o palanque do padre é – de longe – o mais privilegiado e o mais perigoso de todos. Cada palavrinha vira um palavrão.

Depois da missa, de volta pra casa, Ordéte, irmã de Ordália e de Ordívia, não se fez de rogada nem deixou pra depois. Chamou o marido e destrinchou a relação, igual frango assado em mesa de domingo.
- Ou você trabalha ou rua!
- Mas...
- Nem uma titica de “mas”! Chega!
- Pra onde vou?
- Atrás da sua mãe. Ela é omissa, submissa e vai à missa. Ela tava lá, na igreja, e decerto ouviu o sermão de hoje.

Juntos a um bom tempo, os dois haviam botado o Ovo de Colombo do casamento: jogar fora a ansiedade de ter que dar certo. Namoraram longos 10 anos, noivaram não sei quantos, e o casamento, que já durava outros 10, havia sido a vitória da esperança sobre a experiência. Mas, tudo tem limite. Se até a esperança, calcule a experiência!

O marido vivia de heranças, rendas e bicos. Quando o pai morreu, herdou a casa e, sendo filho único, veio também o barracão. Alugados por um bom dinheiro que, como vinha, ia. Ele não sabia que dinheiro não agüenta desaforo. E tem outra: dinheiro acaba. Trabalho, não.

Mas aí é que a porca torcia o rabo. Difícil de acontecer era ele fazer qualquer coisa que prestasse da vida. Ah, isso não acontecia, mesmo! E era o que deixava Ordéte pisando no calcanhar. E foi, justamente, o que a fez, naquele domingo, depois da missa das 9, botar os pingos nos is e cortar os tês. E tudo por causa de um sermão.

Ordéte viu com quem voava e foi percebendo mais. Enxergou que, sobretudo, depois dos 40, a gente não toma qualquer cerveja, qualquer vinho, qualquer condução, qualquer companhia. As exigências da vida tornam o sujeito exigente. E não é isso que faz da vida une chose très chic? À medida que os anos vão se passando – e eles passam, eles p...a...s...s...a...m...! – a gente vai aprendendo que a vida é um tesouro raro e que viver pode ser bom demais.

Então ela deu o grito.
- Nunca mais qualquer coisa! – bradou direto e reto. Existe vida inteligente do lado de lá do alambrado.

Ter descoberto, depois dos anos todos, que eles haviam insistido em voar juntos, mas que não eram pássaros iguais, nem nunca haviam alcançado a mínima noção de vôo sincronizado, e que, ultimamente, sequer voavam juntos – ah! – foi libertador. A partir dali, a vida não seria nem mais fácil nem mais difícil. Seria outra, só outra, só isso. Era isso o que faltava.

E tudo por causa de um sermão. Ta certo que não foi nada daquilo que padre falou. Mas o que é que importa? Foi o que ela entendeu. E vai dizer que não é assim que acontece com todo mundo? Tudo o que gente consegue ouvir, de alguma forma, já disse pra si mesmo.

Ordéte trocou de roupa, mudou a maquiagem, botou um chapéu colorido, aproveitou o sol de domingo e foi visitar as amigas. O mundo ainda era o mesmo. Ela já era outra. A andorinha... (chispa)... voou.

Um comentário:

  1. Meu caro amigo. Tenho muitos elogios para tecer à você. Parabéns por mais um texto inspirador.
    Um grande abraço.

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