sábado, 10 de setembro de 2011

DIVÃ 9

Minha avó (Deus a tenha!) era uma “bela alma”. Ô, se era! Zeladora do Apostolado da Oração (quem não souber o que é isso, nem perca tempo de perguntar), altareira (quem não souber... nem...), dedicadíssima a assuntos religiosos. Mas cheia de achaques, doenças e dores. A lembrança mais forte da infância era vê-la com fatias finas de batata crua coladas à testa por causa das incessantes dores de cabeça. Que só batata tirava! Imagine. E as vertigens!

Então, um dia, uma sobrinha, solteirona e avançada nos 40 e tanto, arrumou um namoradinho de 23 anos. “Que horror, que descabeçamento!”, gritou o coro da moralidade Pereira Dias. No meio da tsunami familiar, minha avó a chamou de lado e disse as seguintes palavras, uma-a-uma: “Deixa elas, que elas estão é com inveja. Ocê vai ver: os mocinho são bem mais melhor!”

Se me contassem eu diria que era mentira. Mas eu escutei, com esses ouvidos que a terra há de comer. E eu pensei, naquele dia: “Caramba, olha aí, a avó misseira dando conselhos de alcova!” Se ela tinha experiência? E precisa? Passarinho entrou na escola pra aprender a fazer ninho?

Contudo, continuou ela com as rodelas de batata coladas à testa para aliviar as dores de cabeça. Aquele conselho, pouco vitoriano e por demais vitorioso, deixou vazar daquela cabecinha rodelada... cousas! Não vazou porque não fizesse parte dela. Vazou porque era parte integrante da vida, inerente aos desejos camuflados sob todas as rodelas de batata crua, tapando sabe-se lá o quê, que a vida, madrasta como ela só, talvez, não lhe soubesse nem pudesse proporcionar, a tempo.

Imagine minha avó num divã analítico, toureando o pobre analista para quem ela jamais, j.a.m.a.i.s, admitiria que pensava aquilo: que “os mocinho eram bem mais melhor!” Ah! Mais nem que a vaca tussa, ela ia se dignar admitir essa afronta a si mesma e à sua inabalável catolicidade.

E, no entanto, será que, caso ela pudesse se dar conta dos desejos mais recônditos, não apenas para a sobrinha solteirona, mas, sobretudo, para si mesma... caso isso fosse possível, será que as batatas perderiam o status de panacéia universal e poderiam virar purê, aliás, de muito melhor emprego e usufruto?

Temo estar sendo desleal a minha avó, que me criou e só não me amamentou porque a natureza assim não o permitiu. Perdão, avó! E tomara que você tenha conhecido meu avô quando ele ainda era “bem mais mocinho”!

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