domingo, 11 de setembro de 2011

DIVÃ 10

Outra produção artística de resistência à análise é a performance intelectual do analisando. Assim como a “bela alma” traz radiografias e exames clínicos “exigidos” pelo saber médico, e os expõe como testemunhas de um sofrimento atroz, aquele que funciona num registro intelectual traz diplomas dos cursos exigidos por “outro saber”, e ainda que o papel não esteja ali, em mãos, a verdade, a verdade dele, está.

Está no interno do sujeito que chega para dizer, não nessas palavras, mas nesse sentido, que ele gostaria de fazer análise para entender melhor o que o professor do curso tal lhe disse, ou aquilo que ele mesmo pratica. Porque ele leu ali e acolá algo sobre terapia e análise, ou viu no Fantástico... Ah, como é que eu ia me esquecendo da perola negra do Fantástico! Como se não bastasse o final de domingo ser o que é, tem o Fantástico pra tornar o indizível ainda pior, e fazer isso se reproduzir durante a próxima semana, na pergunta que não quer calar: Você viu no Fantástico?

Mas, afinal, por que isso não teria valor? Claro que tem. Ô se tem! Contudo, não deixa de ser perigoso, pelos embustes que esconde. Quem dessa maneira resiste ao que vem buscar na análise, também não deixa de ser outra “bela alma”, só que, desta vez, escondida atrás de outros biombos, plenamente, justificada no interesse da salvação das almas! A primeira “bela alma”, quando chega, traz queixas. Essa segunda produz teorias. Ambas se embalam no ritmo da resistência. A primeira, pelo menos do ponto de vista analítico, quando chega, é mais transparente. A segunda... só Deus sabe!

Lá pelos meados da história da psicanálise, houve um desvio de percurso interessante (quando eu não sei o que dizer, chamo de “interessante”), quando foi imposto a quem quisesse ser analista um tróço chamado “análise didática”. Como será que isso funciona? Tem gente atrás de um vidro vendo o que o analista e o paciente fazem na sala? Ou o paciente procura o analista e gera questões artificiais para que o analista responda a elas e o postulante aprenda como se faz? Ou o analista mantém o ar professoral diante do analisando, faltando apenas à ocasião a lousa e o giz? Pra concluir, pergunto: aquilo que ambos constroem na relação analítica é de mentirinha?

Porque se for, qual é a tua, Cigano Igor?! Parece atuação de ator canastrão que passa cristal japonês na pálpebra enquanto a câmera não fecha nele, para chorar um sentimento que não tem e, às vezes, num olho só.

Isso, isso mesmo, falei uma palavra-chave: chorar. Numa sessão de análise, chora-se, ri-se, esbanja-se sentimento, a granel, e sem embalagem prévia. Se uma análise não for assim, se os sentimentos já chegarem à sessão embalados, industrialmente, e com a receita no pacote, igual bolo de caixinha, isso aí pode ser tudo, pode ser até didático, mas não é análise.

Análise custa. Dá trabalho. Envolve. Machuca. Cura. Tira tudo do lugar para colocar depois, num outro, diferente da prateleira em que os sentimentos chegaram quando o sujeito entrou pela primeira vez pela porta do analista. Analista não tem folga nem férias nem feriado nem final de semana. Eu estou aqui, agora, escrevendo, nesse domingão. Mas quem diz que eu deixo de pensar naqueles que durante a semana regrediram, estancaram o processo, produziram anomalias em sentimentos e ação ou, simplesmente, manifestaram desânimo frente à falta do progresso imaginado. Isso custa, dá trabalho, envolve, tira tudo do lugar. Dói, machuca e cura.

No fim, quando aquele que chegou aos pedaços é devolvido a si mesmo, de novo, inteiro, tudo faz sentido. Tudo vale a pena se a alma não é pequena, né! Só não pode fazer de conta. Nem o analista finge que atende nem o paciente finge que é atendido. Ambos estão ali. Cada um paga seu preço. Não é barato nem pode ser. Mas vale cada investimento.

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