quarta-feira, 7 de setembro de 2011

DIVÃ 6

“Espaço garantido”.

Foi assim que alguém definiu o local da análise, e que da outra vez eu não soube dizer, porque dei de esquecer: espaço garantido. O espaço garantido para o pensamento brotar, para os sentimentos aflorarem, para haver um lugar só seu, onde o sujeito tenha lugar, um lugar que não existe em outro lugar.

Claro! Do lado de fora da porta, sua roupa aguarda você e você veste de novo a mesma velha casaca usada, mas conhecida, apertada e incômoda, mas conhecida, rasgada, quem sabe, mas conhecida. Já naquele “espaço garantido”, pra começar, você pode vestir o que quiser, o que lhe servir, o que tiver a sua cara. Ali, você pode fazer amizade com o estranho desconhecido.

Não se corta a pessoa do tamanho da roupa. Corta-se a roupa do tamanho da pessoa. É por isso que você não cabe nas suas casacas, sobretudo, naquelas que lhe mandaram vestir quando você tinha 5 anos de idade, e que, apesar de ter crescido, continua vestindo pelo resto da vida. Até que...

Até que faz análise e conhece outras roupas e outras roupagens. Passarinho troca de pena todo ano e a nova plumagem é sempre corriqueiramente igual a do ano anterior. Com você, não. Outras roupas são possíveis, viáveis, bem-vindas.

Por aí, você imagina a dureza de completar a análise de um adolescente, ou simplesmente de uma pessoa por quem é outrem quem paga as sessões. Nem preciso dizer o quanto, geralmente, esse “outro pagante” investe no que ele entende por terapia, intensamente interessado nas “boas soluções” que a análise possa trazer em termos de normatização. É que para ele a pessoa não está “funcionando bem” e precisa de reparos.

Pais de adolescentes incorrem nesse perigo. Eles trazem o filho como se leva um aparelho quebrado pro conserto. “Faça o que for possível, e agradecidíssimo!”. O problema surge na primeira curva, quando o “aparelho quebrado” começa a indicar que o “mau funcionamento” se deve ao uso indevido. Esclareço: o problema é quando o adolescente traz a problemática familiar à tona e precisamos chamar pai e mãe, os quais, é claro, não tardam em afirmar que “com eles está tudo bem!” Ora, qualquer um que pense um pouco, sabe que nunca é tão possível assim estar “tudo bem”. “Tudo bem” é a resposta que damos à pergunta “Tudo bem?”, a qualquer interlocutor, geralmente, totalmente desinteressado em qualquer resposta que seja que não seja essa.

Para uma análise trazemos nossos problemas, nossas queixas, nossas aflições. Sim, reclamamos muito de quem não está ali, porque, na verdade, está, veio conosco, faz parte da nossa vida e, naquele momento, significa um estorvo intransponível. Sim, não queremos falar daquilo ou dele ou dela. Não e não. Mas é claro que acabamos falando. Porque vamos lá, também, para encontrar o ouvido que, fora dali, não é capaz de ouvir. È vero.

Mas... vamos... por... mais. É sempre por mais. Diferentemente do joão-de-barro, nós humanos, sempre queremos mais. Que mais é esse?

Um comentário:

  1. OLÁ Renato.. muita luz e paz!
    Li seus escritos Divã (todos) aliás comecei pelo 6, sem perceber...
    Você usou duas metaforas interessantes "roupas apertadas" (James Hollis diria "sapatos apertados demais") e estepe...
    Por iluminação Divina... percebi meus "pés" doendo e minhas "asas" presas e então fui em busca de "consertar" como disse estas coisas que me doiam... e está valendo a pena...
    Que triste a vida de de não se conhecer... e poder dizer "esta sou eu", não aquela que "vive pisando em ovos" porque lhe doi pisar com firmeza. Perceber-se como PESSOA e ir em busca de sua essência...
    Obrigada por suas reflexões. Abç

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