sábado, 10 de setembro de 2011

DIVÃ 8

Nem tudo são flores nesse caminho. Essa empreitada analítica é cheia de escorregões. Seria muito simples se o sujeito que se atirasse a esse afã, a ele se sujeitasse, cordatamente. Ara! Mas aí não seria nem sujeito nem humano. Desde quando o humano é cordato? O humano insiste, resiste, desiste. Só pra insistir de novo. Se o sujeito se deitasse no divã, placidamente, e dissesse ao analista: Pisa fundo!, é claro, nem preciso dizer, que ele não seria sujeito de nada, sequer do desejo de ser.

Há resistências à análise.

Já vou dizendo desde já que é a resistência do ar que faz o avião subir. Mas mesmo assim, e abusando da metáfora, é preciso ter teto, condições de visibilidade, ou o avião nem levanta nem pousa. Na análise, não se opera por instrumentos. Ali, ou é ao vivo e em cores, ou não é. O que se faz numa sessão de análise é muito parecido com o que se executa numa peça teatral: interpreta-se. Interpreta-se sentimentos, e constroem-se os sentimentos ao interpretá-los.

Algumas resistências pétreas embaçam o “teto” da análise, tiram as condições de visibilidade necessárias para o analista pilotar o divã e o analisando pilotar a própria vida. A impressão que fica é o paciente se acostumou tanto com a única brecha no meio do fumacê por onde ele consegue enxergar aquilo que vive, faz e é, que quando você tenta mostrar outra brecha, ele sequer a considera possível. É como se ele quase dissesse ao analista: Isso que você diz ver e que eu não vejo, não está ali.

Das resistências mais embaraçadas e embaçadas ao processo de análise, a primeira a que peço a gentileza de poder nomear é a resistência da “bela alma”. E se fiz essa mesura anterior, é porque a “bela alma” assim o exige. A expressão “bela alma” foi criada no século XIX pelo psiquiatra francês Jean-Martin Charcot, para nomear as pessoas histéricas, almas refinadas, mas rebuscadas, apropriadas ao barroco rococó, acostumadas a esconderem seus irreconhecíveis desejos atrás de belas fachadas cinematográficas de irrepreensível moral e espiritualidade. “Ai, minha Nossa Senhora do Céu!” Era assim que tia Ordália reagia a cada arrepio provocado por qualquer conversa de teor um pouco mais picante.

Vou dar um exemplo ímpar. Mas tem de ficar para a próxima, porque o espaço acabooooou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário