sábado, 10 de setembro de 2011

DIVÃ 7

Pois é: que ”mais” é esse?

Platão disse que a gente vivia numa caverna de pálidas sombras – ilusão permanente – e que o mundo verdadeiro não estava aqui, onde estamos, mas em outro lugar, num lugar das idéias – tópos noétos. Para Platão, o que sobrava daqui era o tudo.

O filme “Matrix” virou Platão do avesso. Para o autor, existe, sim, um mundo feito de ilusão permanente, este em que vivemos. Mas fora dele, não há o mundo das idéias platônicas perfeitas e belas, o lugar encantado onde tudo funciona (detesto essa palavra!). Para a “Matrix”, fora desse mundo de ilusões, não há nada, nada, apenas corpos mofando em cápsulas, funcionando (desta vez, vai) como baterias para o mundo de máquinas. Para a “Matrix”, o que sobra é isso. Nada. O deserto do Real.

E para mim? E para você? Que “mais” é esse? Está onde: lá, cá, em lugar nenhum? Onde?

Muitas respostas foram dadas: dos filósofos aos teólogos, dos ateus aos místicos, cada um propõe um tipo de resposta para dar conta da insaciabilidade humana, a fome, a ânsia, a hiância, a falha e a descontinuidade que nos faz cair e levantar, levantar e buscar, buscar pra cair de novo e levantar de novo e buscar outra vez.

Somos feitos da matéria dos nossos sonhos. Somos feitos de desejo. Mas não um desejo qualquer. Não se trata da vontade de tomar café na padaria do Aquarius (aliás, famosa) nem da vontade de estar ali, lá, acolá, vestir isso, comprar aquilo.
Trata-se do desejo, do poderoso desejo de algo que se esconde atrás das vontades mais prosaicas e triviais. Ali se encontra um desejo incompreensível, inatingível, inapelável, intransferível. “Estou com uma vontade de comer uma coisa, mas não sei o que é!” Pode ser tudo, qualquer coisa. E por ser tudo, e por poder ser tudo, é claro, nada é. Você pode ir ao shopping e olhar, olhar e olhar e, no fim, comprar. (Usei o último verbo uma vez só!) É provável que chegue à casa com a sensação de ter de voltar para trocar “aquela coisa” por outra porque, quase sempre, não vai ser “aquela” e quase nunca será a “outra”. Se tudo pode ser, nada é.

Não é que Spinoza, Kant e Freud atinaram com a coisa? Essa é a nossa essência. Um desejo que não conhecemos nem sabemos, propriamente, de que, do quê. Só o que sabemos é que ele existe, como um imperador solene e distante cujas ordens nos atingem de perto, como se ele estivesse, o tempo todo, aqui.

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