domingo, 12 de fevereiro de 2012

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 19

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11


Numa família assim, de pessoas tão ternas, não é impossível – não, mesmo – que Jesus de Nazaré também tenha se ligado afetivamente a elas pelos mesmos laços de ternura com que se ligaram a ele. Diante do túmulo de Lázaro, ele chorou. Chorou porque amava e havia perdido. Chorou porque não é fácil perder. Para ninguém. Nem para ele.

Mencionei, no início, que este sétimo sinal é diferente de todos os outros por uma particularidade que o faz único: Jesus se envolve, apaixonadamente, com os personagens da trama. Nos outros sinais, ele manifesta. Neste, ele se manifesta.

Imaginem que o destino de Jesus, em sua vida, foi uma carga muito pesada. Em certos momentos, ele se viu tentado a ser homem como os outros homens: chefe político, rico, poderoso. Ou, simplesmente, pai de família, com mulher e filhos, sogra... Uai! As tentações do deserto foram escritas para nos mostrar, justamente, isso.

Por que, então, ele não haveria também de se ver levado a ser amado por si mesmo: pela sua capacidade de amar e em sua necessidade de ser amado, pela sua beleza e por toda beleza do que poderia desfrutar ao redor de si? Naqueles três irmãos, totalmente devotados a ele, ele poderia encontrar e viver um grande amor, quase às raias da exclusividade. O problema é que esse passo, o da exclusividade e o do exclusivismo, é curto demais. Geralmente, só percebe que a fronteira foi ultrapassada quem já a ultrapassou.

E tem mais. O que existe de humano em Jesus de Nazaré está submetido, como em qualquer um de nós, aos mesmos moldes de amor especular, nos quais nos condicionamos e fomos condicionados desde lá atrás, desde a mais remota infância. Eu disse especular, de espelho. Nós amamos o espelho. Amamos o que nos reflete. Aliás, só conseguimos amar o que nos reflete. O diferente completa? É o que dizem. Mas apenas o semelhante seduz. Só o semelhante tem o poder de atrair. Se isso é bom ou ruim? Nem bom nem ruim. Só é. Com o poder de ser. No amor humano, as coisas funcionam de uma forma que só o que for muito semelhante a mim, no outro, tem o poder de despertar e atrair o meu amor.

Não amamos o outro. Amamos a nós mesmos, no outro. Bingo!

Ora, é difícil imaginar alguém mais semelhante a Jesus e mais capaz desse jogo especular do que Lázaro. Quando as irmãs mandaram o aviso a Jesus, a frase foi curta, mas disse tudo: “Aquele que amas está doente” (Jo 11,3). Será necessário acrescentar alguma coisa a esse amor que, como toda e qualquer forma de amor, só é amor na medida em que um consegue se enxergar no brilho do espelho do olhar do outro?

Da parte de Lázaro, a situação é ainda mais contundente. Desesperado por estar separado de Jesus, como um bebê longe da mãe, Lázaro não morre. Lázaro, simplesmente, deixa-se morrer. Ao que tudo indica, Lázaro tem necessidade de Jesus. Ele ama Jesus. Mas o seu amor não é um amor de liberdade. É um amor de dependência, exclusivo, exclusivista. Posso dizer, fechado? Se Jesus o esqueceu, como ele acredita, ou se Jesus prefere sua missão, ou sua segurança (ele não podia mais transitar pela Judéia, lembra?), então, Lázaro não acredita mais nele nem em suas palavras nem em seu amor. Lázaro não amadureceu o amor que viveu. Lázaro infantilizou-se. Verdejou.

Jesus havia se tornado a luz dos olhos de Lázaro. Na ausência física dele, Lázaro mergulha na escuridão. Lembra das palavras enigmáticas de Jesus, proferidas antes de pôr-se a caminho? “Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se caminha de noite, tropeça, porque nele não há luz” (Jo 11,9-10).

Em Lázaro, não há mais luz. Isso é a morte. Lázaro não morre, deixa-se morrer. Adormece o sono de uma falta de vida que beira e cheira à morte, um torpor cego, do qual, dificilmente, alguém sai por conta própria. “O nosso amigo Lázaro adormeceu e eu vou despertá-lo” (Jo 11,11). É demais de interessante esse pronome plural “nosso” – emôn , em grego – presente em todos os códices mais antigos. “Nosso”, e não “meu”.

Porque esse tal de “meu”... Ô pronomezinho complicado! Há um entrevero entre esse pronome e o alargar da consciência que, ao que tudo indica, parece que foi o que viemos fazer aqui no planeta, não foi não?

Os discípulos, homens rudes, não entendem. É sono? É morte? Do que estará falando? Que Jesus era o sol de Lázaro, todos sabiam. O que não sabiam é que Lázaro havia se apegado e se apagado, de uma forma tão absoluta e virulenta que se acabou cego de tanta luz, e do mesmo do sol que o havia iluminado

Não preciso lembrar que Lázaro, possivelmente, não existiu como pessoa física. O Lázaro do Evangelho é um personagem criado por João, para nos fazer pensar. O texto é um condensado, uma metáfora, um conglomerado de muitos Lázaros, muitas Martas e Marias. Se João tivesse narrado um acontecimento, nu e cru, teríamos um furo de reportagem extraordinário. Isso, contudo, em nada nos faria pensar, mais do que faz pensar qualquer notícia de jornal. O Lázaro que faz pensar, ainda hoje, sobre o qual nos debruçamos e queimamos pestanas, é contemporâneo nosso. Vive do nosso lado. Talvez, dentro de nós. Qualquer semelhança nunca é mera coincidência.

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