domingo, 26 de fevereiro de 2012

DAVIII... IH! – 7

“Conheço o filho de Jessé, de Belém. Ele sabe tocar e é valente guerreiro. Além disso, fala bem, é de bela aparência e D’us está com ele” (1Sm 16,18)


A verdade toda, se dita, converte-se sempre em mentira ou insulto. O essencial se encontra entre as palavras, não nas palavras. Quando você não diz o que queria dizer, o que diz é mais verdadeiro do que o que queria dizer. A verdade, se existe, está no lapso. Esse é o terrível do lapso!

Esses são os lapsos de Davi e de Saul. Pobre Saul! O vale de Elá revelou-se um campo de treinamento para a corte real. Quando Golias perdeu sua cabeça, os hebreus transformaram Davi em seu herói. O povo promoveu um desfile para espalhar rapidamente a notícia, cantando: “Saul matou milhares e Davi, dezenas de milhares” (1 Samuel 18,7).

Saul explode como o Vesúvio. Passa a examinar Davi “dali em diante” (1Sm 18,9). O rei já tem a alma perturbada, propensa a ter acessos de raiva, suficientemente paranóica para comer abelhas. A popularidade de Davi irritou Saul. “Encravarei Davi na parede” (1Sm 18,11).

E Saul tenta matar o menino de ouro de Belém em seis diferentes momentos. Primeiro, ele pede a Davi que se case com sua filha Mical. Parece um gesto gentil, até você ler sobre o preço brutal que Saul exigiu pela noiva. O prepúcio de cem filisteus. Sem dúvida, um dos filisteus matará Davi, espera Saul. Não é o que acontece. Davi dobra a exigência e volta com a prova (1Sm 18,25-27). Agora, vem cá, cem prepúcios! Para quem sabe o que uma paranóia esconde, esse pedido não é escancarado demais? Cem prepúcios! E Davi traz duzentos! E o sujeito não fica satisfeito! Use-se e abuse-se das exclamações e das reticências.

Saul não desiste. Ordena aos seus servos e a Jônatas que matem Davi, mas eles se recusam a fazê-lo (1Sm 19,1). Ele tenta encravá-lo com a lança outra vez, mas não consegue (1Sm 19:10). Além de tudo, era ruim de pontaria! Então, Saul envia mensageiros à casa de Davi para o matarem, mas Mical, esposa de Davi, o faz descer por uma janela. Davi, o papa-léguas, fica um passo à frente de Saul, o coiote.

A raiva de Saul estarrece Davi. O que ele fez, senão o bem? Ele levou cura pela música ao espírito atormentado de Saul, esperança à nação enfraquecida. Ele é o Abraham Lincoln da calamidade dos hebreus, salvando a república e fazendo isso modesta e honestamente. Ele “tinha êxito em tudo que fazia” (1Sm 18,14). “Todo o Israel e todo o Judá, porém, gostavam de Davi” (1Sm 18,16). Davi “tinha mais habilidade do que os outros oficiais de Saul e assim tornou-se ainda mais famoso” (1Sm 18,30). Mas esse era o problema. Davi ficou famoso. A fama é um mau sinal: é sinal de incompreensão.

E o vulcão Saul continua em erupção, recompensando os feitos de Davi com planos para assassiná-lo, lanças voadoras e pontarias desastradas. Entendemos a pergunta que Davi faz para Jônatas: “O que foi que eu fiz? Qual foi o crime? Qual foi o pecado que cometi contra seu pai para que ele queira tirar a minha vida?” (1Sm 20,1).

Jônatas não tem respostas para dar, pois a resposta estava além da sua capacidade. Quem sabe se eles vivessem em Viena, no final do século XIX, e conhecessem um tal Professor Sigmund Freud, quem sabe!

O que pode justificar a raiva de um Saul? Quem consegue encontrar a razão por que um pai atormenta um filho, uma pessoa desdenha a outra, um chefe coloca os funcionários uns contra os outros? Mas é o que acontece. Saul tem raiva do planeta. Ditadores torturam, patrões seduzem, ministros abusam, sacerdotes molestam, os fortes e poderosos controlam e enganam vulneráveis e inocentes. Ainda há Saul e ainda há Davi.

A crueldade de Saul bate de frente na lealdade de Jônatas. Jônatas poderia ter ficado tão enciumado quanto Saul. Ele era o primogênito de Saul, ele se preparava para herdar o trono. Como um nobre soldado, lutava contra os filisteus enquanto Davi ainda apascentava ovelhas.

Jônatas troca as vestes de pastor de Davi por seu próprio manto de púrpura: o manto de um príncipe. Ele dá sua espada de presente para Davi. Ele, efetivamente, coroa o jovem Davi. O herdeiro do trono entrega seu trono.

E depois, ele protege Davi. Quando fica sabendo dos planos de Saul, Jônatas avisa seu novo amigo. Quando Saul vem em busca de Davi, Jônatas o esconde. Ele normalmente dá-lhe avisos como este: “Meu pai está procurando uma oportunidade para matá-lo. Tenha cuidado amanhã cedo. Vá para um esconderijo e fique por lá” (1Sm 19,2). Jônatas faz uma promessa a Davi e dá-lhe roupas e proteção.

Davi e Saul são um caso complicado de se resolver. Jônatas e Davi são o oposto da moeda. Um caso interessante para absorver.

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