domingo, 5 de fevereiro de 2012

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 18

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11


Ninguém conseguiu entender melhor as questões que se ligam à perda absoluta que chamamos morte do que Gabriel Fauré, em seu Requiem. Tudo ali é densidade e leveza. Todo participa da vontade da vida e da voracidade da morte. Tudo encanta e apazigua. Desorienta e traz de volta à luz.

Foi assim que encontramos as duas irmãs: desorientadas no seu amor e na sua dor. Esperançosas em sua vontade de continuar insistindo na esperança. E é assim que vamos deixá-las, até que Lázaro nos lance luz nova na situação, e nos possa esclarecer o quê afinal aconteceu àquela insólita família de Betânia, tão encontrada que era impossível pensar no quanto estava perdida.

Da morte, Lázaro lançará luzes mais generosas do que suas irmãs, na vida.

É que Lázaro, naquele momento, é o único que não se confunde em seus sentimentos. É o único que não tem angústia. Todos estão confusos, menos ele. Todos angustiados, menos ele. Todos desencontrados, menos ele, que já se encontra perdido para sempre. Sem angústias, claro. Mas para onde nos leva a vida se a angústia que serve de agulha da bússola estiver quebrada. Lázaro dorme, disse Jesus. Lázaro nem tem sentimentos para confundi-lo. Não importa a morte de que ele se encontre morto, é só assim que ele prefere ser encontrado, e é só dessa forma que poderemos marcar encontro com ele.

Lázaro, nesse momento – e ainda que do túmulo – tem coisas a dizer.

Vira-e-mexe, alguma ilusão surge do nada, toma corpo, traveste-se de verdade e todo mundo corre atrás. Vivemos de ilusões. A mais popular e mercadológica ilusão do momento é a da motivação. A ilusão de que tudo pode dar certo, basta querer. E de que há respostas para tudo, basta procurar. E de que a dor, a morte e o luto não existem, basta se enganar. Os campeões de venda de auto-ajuda e os campeões do consumo psico-fármaco estão aí para não deixar a menor dúvida.

Mas será que é assim mesmo? Será que isso funciona, tão mecânica e magicamente, como espalham aos quatro ventos os gurus, nos templos e nos mercados?

Será?

Não é por estar motivados que fazemos escolhas certas. É o contrário, justamente, o contrário. É por termos feito as escolhas certas que ficamos motivados. A falta de motivação não é causa, é conseqüência. Acreditar que é possível ficar motivado com qualquer apetrecho para alcançar qualquer sucesso é de uma ingenuidade maçante. O que eu queria mesmo era escrever imbecilidade, mas achei que ingenuidade ficasse menos agressiva. Acreditar em receitas prontas é apenas mais uma forma de se iludir.

A pergunta, então, veste feito luva: qual teria sido a motivação da qual Lázaro se viu privado ou frustrado, e tanto, e tanto, que se deprimiu e pediu demissão da vida, naquilo em que mais havia apostado? Quais motivações teriam mantido aquele singular grupo familiar coeso, ainda que de forma estranha?

É que aquele pequeno grupo familiar de três irmãos, vivendo para si mesmo, regurgitando-se em si mesmo, retroalimentando-se de suas próprias fantasias, formava uma pequena clausura, trancada e auto-suficiente, dentro da grande comunidade. Onde estão os pais, avós, tios, sobrinhos, primos, cunhados, filhos, maridos e esposa de Marta, Maria e Lázaro?

(Preciso abrir parêntesis para informar a você que no ambiente judaico isso era abominavelmente impensável. Isso, digo, gente solteira: fechada em si mesma, não aberta à possibilidade mínima que se esperava de um judeu coerente que era gerar o Messias esperado. A solteirice era abominável para os judeus. Até Maria, a mãe de Jesus, entoa que D’us havia “olhado para a vergonha da sua serva” – Lc 1,48. Vergonha, no caso, era a esterilidade da vida celibatária. Isso, bem dito, para os judeus. Fecha.)

Mesmo no plano mítico, onde João faz as idéias transitarem, aquela continua sendo uma família exótica, sem ascendentes nem descendentes nem pretendentes. São apenas três irmãos, totalmente devotados a si mesmos. Num amor auto-devorador que, possivelmente, alcance as raias da exclusividade neurótica. Eles amavam tanto a si mesmos, e depois transferiram tanto esse amor para Jesus, que não lhes era possível amar outra coisa na vida. E isso é uma coisa, no mínimo, complicada, para quem quiser vivendo “neste” mundo. (Excluam-se dessas considerações os monges, as crianças, e os loucos, que, de longe, são os mais amados por D’us!)

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