sábado, 4 de fevereiro de 2012

DAVIII... IH! – 3

“Conheço o filho de Jessé de Belém. Ele sabe tocar e é valente guerreiro. Além disso, fala bem, é de bela aparência e D’us está com ele” (1Sm 16,18)


Vamos desenrolar o rumo dessa história?

Saul recusa o chamado. Isso é muito comum na jornada do herói. Moisés havia feito a mesma coisa: tentou negociar com Javé. Não é de todo improvável pensar que, inconscientemente, Samuel quisesse um rei fraco, um rei que não conseguisse agregar o povo. Se o rei fosse fraco, estaria justificada a sua oposição à sagração de um rei. No correr da história, vai ficar cada vez mais claro que o que Samuel realmente quer é manter o poder. E ele vai fazer de tudo para dominar Saul.

Olha só! Samuel sempre foi um juiz bom e honesto. O problema, já sabemos, começou na velhice, com a nomeação dos filhos. O erro de Samuel foi não ter se reconhecido nas próprias crias. O fruto cai longe da árvore? Capaz! Samuel, homem bom e justo (como diria o Faustão: o filho da Ana, a inspiradora do Magnificat) não puxou à tona nem trouxe à consciência a sede de poder que havia dentro dele mesmo. Assim como não viu dentro de si, tampouco pode ver fora de si, a mesma sede de poder, reproduzida nos filhos corruptos.

Samuel ficou cego de inconsciência. E começou a criar problemas para Saul. E esses problemas se refletiram no povo.

Se você perguntasse a Samuel: Ô Samuel, por que você está fazendo isso? Com certeza, iria ouvir: Isso... o quê?

Agora, questione. Será que Samuel tinha noção do que estava fazendo? A resposta é: Claro que não! O problema dele foi ele não ter se conscientizado da caixa-preta do inconsciente. O material não consciente dominou Samuel. Domina a gente.

Joseph Campbell tem uma definição ótima para demônio. “Minha definição de demônio – disse ele – é a de um anjo que não foi reconhecido. É um poder seu, para o qual você negou expressão, e que, portanto, você reprime. Como toda energia reprimida, também essa, começa a crescer, a tornar-se perigosa e a dominar você.”

A gente se engana se pensa que tem o controle de tudo. Samuel também se enganou. Nunca será possível ter consciência do inconsciente. Se Samuel estivesse consciente da sede de poder, não faria nem o que fez nem como fez: Samuel fez Saul de gato e sapato!

A sagração de Saul foi uma palhaçada. Primeiro, Samuel tomou fôlego e sagrou. “Então Samuel pegou a vasilha de óleo, e o derramou sobre a cabeça de Saul. Depois o beijou e disse: Javé ungiu você para ser chefe sobre Israel, o povo dele. Você governará o povo e o libertará dos inimigos vizinhos.” (1Sm 10,1)

Em seguida, Samuel se esquiva. “Em Masfa, Samuel convocou o povo em torno e Javé, e falou aos israelitas: Assim diz Javé, o Deus de Israel: Eu tirei Israel do Egito, e libertei vocês do poder do Egito e do poder de todos os reinos que os oprimiam. Contudo, hoje vocês rejeitaram o Deus de vocês, que os salvou de todos os males e angústias. Vocês disseram: Não interessa, estabeleça um rei para nós! Agora, portanto, compareçam diante de Javé por tribos e clãs. (1Sm 10,17-19) Uai, que trem esquisito, Saul já não havia sido sagrado?

E aí, em seguida, e de novo, como se nao tivesse feiro antes, Samuel confirma. “Samuel convocou todas as tribos de Israel, e foi sorteada a tribo de Benjamim. Convocou então a tribo de Benjamim por clãs, e o clã de Metri foi sorteado. E Saul, filho de Cis, foi apontado no sorteio. Procuraram Saul, mas não o encontraram. Consultaram, então, a Javé: Saul está aqui? Javé respondeu: Ele está escondido entre as bagagens. Correram para buscá-lo, e ele apareceu no meio do povo: os outros lhe chegavam apenas até os ombros. Samuel disse a todo o povo: Estão vendo quem Javé escolheu? Não há, entre todo o povo, ninguém igual a ele. E todo o povo começou a aclamar, gritando: Viva o rei!

Samuel explicou ao povo o direito do rei... Os vadios, porém, comentaram: Como é que esse sujeito nos poderá salvar? E o desprezaram, e não lhe deram presentes. E Saul se calava.” (1Sm 10, 20-26)

Mas esse Samuel ta me parecendo mais falso do que nota de 8! Primeiro, sagrou Saul. Depois, criou caso. Por fim, se apresentou como a solução do problema. E já que Saul estava escondido entre as bagagens, seja o que D’us quiser! Tudo o que Samuel esperava era o dia em que ele pudesse reunir o povo e dizer: Eu não disse que isso não ia dar certo! Tsss!

É claro que a escolha de Saul não foi aceita por todo mundo. Ele era de uma tribo pequena e não havia mostrado nenhuma capacidade de liderança. Estava escondido entre as mochilas! No que é que pode dar isso? Nem os vadios o aceitam. Na verdade, nem Saul aceitou. Custou pra cair a ficha. Se você quiser pode ler 1Samuel 11, 1-13. Ta tudo lá!

Mas não é Saul que nos interessa. Quem nos interessa é Samuel. Há pessoas que crescem com o cargo. Saul foi uma delas. Saul cresceu. Para o desgosto de Samuel. Não é bom esquecer de que Samuel já havia puxado as palmas. Em todo o tempo de Saul, Samuel tenta jogadas teatrais para se manter no poder.

Isso é importantíssimo para que a gente possa voltar à história, encontrar Samuel se borrando de medo do paranóico Saul na estrada de Belém, indo sagrar rei um sujeito que nunca viu mais magro, de uma família que nunca viu mais gorda.

Voltemos agora à estrada estreita de Belém, perto demais de Jerusalém, encostada no poder, à sombra do perigo.

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