terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

DAVIII... IH! – 5

“Conheço o filho de Jessé de Belém. Ele sabe tocar e é valente guerreiro. Além disso, fala bem, é de bela aparência e D’us está com ele” (1Sm 16,18)



Samuel chega. Alvoroço geral. “Quando chegou a Belém, os anciãos da cidade foram ansiosos ao seu encontro, e perguntaram: Você está vindo em missão de paz? Samuel respondeu: Sim. Eu vim para oferecer um sacrifício a Javé." (1Sm 16,4-5) Lembra? Ele tinha ido ali apenas para oferecer um novilho a Javé! E o medo de Saul? Saul não era brinquedo, não, gente! O cara era um psicopata perigoso.

Então, como quem não quer nada, Samuel pergunta pelos filhos de Jessé. Eles vieram e se apresentaram diante de Samuel. A cena é esplêndida e digna de ser lida no texto original.

“Samuel purificou Jessé e seus filhos e os convidou para o sacrifício. Quando chegou, Samuel viu Eliab e pensou: Certamente é esse que Javé quer ungir! Javé, porém, disse a Samuel: Não se impressione com a aparência ou estatura dele. Não é esse que eu quero, porque Deus não vê como o homem, porque o homem olha as aparências, e Javé olha o coração. Jessé chamou Abinadab e o apresentou a Samuel. E Samuel disse: Também não foi esse que Javé escolheu. Jessé apresentou Sama, mas Samuel disse: Também não foi esse que Javé escolheu. Jessé apresentou a Samuel sete dos seus filhos. E Samuel respondeu: Não foi nenhum desses que Javé escolheu. Então Samuel perguntou a Jessé: Estão aqui todos os seus filhos? Jessé respondeu: Falta o menor. Ele está tomando conta do rebanho. Então Samuel disse a Jessé: Mande buscá-lo, porque não nos sentaremos à mesa enquanto ele não chegar. Jessé mandou chamá-lo e o fez entrar: era ruivo, seus olhos eram belos, e tinha boa aparência. E Javé disse: Levante-se e unja o rapaz. Porque é esse.” (1Sm 16, 5-12).


Pensa bem! A cena não parece uma exibição de cachorros? Jessé exibe seus filhos um de cada vez, igualzinho cachorro na coleira. Samuel examina-os de vários ângulos, ponto por ponto, mais de uma vez, para dar-lhes a nota máxima: a cor do pelo, o tamanho das orelhas, do focinho e da cauda. Mas, em cada vez, D’us diz: Hã... hã... Não é esse, não!

Eliabe, o filho mais velho, deveria ser a escolha lógica. Você pode imaginá-lo como o Casanova da vila: cabelos ondulados, maxilar saudável, dentição perfeita. É o príncipe William da corte de Jesse. Usa uma calça jeans apertada e tem um sorriso perfeito. Achei!, pensa Samuel.

Achou nada!, diz D’us. D’us não gosta das escolhas óbvias.

Abinadabe, o segundo irmão, entra como o segundo concorrente: o irmão do príncipe William. Mas melhorado, melhorado! Você podia jurar que quem havia acabado de entrar era um modelo da moda masculina. Terno italiano. Sapatos de couro de crocodilo. Cabelos negros, alisados para trás com gel. Quer um rei estiloso? Acabou de encontrar. Abinadabe tem esse perfil. E-ainda-fala-com-jeito-de-paulistano-mêu!

D’us não está interessado em estilo.

Samuel pede para que entre o terceiro irmão: Samá. Ele é estudioso, aplicado, óculos de grau. Lucraria bastante com um transplante de carisma, mas tem massa cinzenta sobrando. É formado na Federal de Israel e está de olho em um programa de pós-graduação no Egito. Jessé sussurra para Samuel: Foi o orador oficial da Escola de Belém.

Samuel fica impressionado, mas D’us, não. E o faz lembrar: “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1Sm 16,7). “Homo enim videt ea, quae parent, Dominus autem intuetur cor.”
Caramba! Esse trem ficou danado de bonito em latim!

Sete filhos passam. Sete filhos fracassam. O desfile pára. Samuel conta os irmãos: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete.
- Jessé, você não tem oito filhos?

Uma pergunta semelhante faria a madrasta da Cinderela contorcer-se. Jessé, provavelmente, também, em cólicas intestinais.
- É. Ainda tenho o caçula, mas ele está cuidando dos animais.
(Nessa, Papai já teria pedido o Atroveran.)

O termo hebraico para “caçula” é haqqaton (pronuncia-se “rracatón”) e indica mais do que idade: sugere posição. O haqqaton não era só o irmão caçula: era o irmãozinho – o tampinha, o hobbit, o bebê. Cabia ao haqqaton da família cuidar das ovelhas. Era como se os mais velhos dissessem para colocar o menino num lugar onde ele causasse o menor número possível de problemas. Deixe-o com cabeças cheias de lã e céu aberto.

E é ali que encontramos Davi, no meio do pasto com o rebanho.

As Escrituras Hebraicas irão dedicar 66 capítulos à sua história. Nas duas Alianças, ele perde em número de referências somente para Jesus. O Segundo Testamento menciona seu nome 59 vezes. Ele estabelecerá e habitará a cidade mais famosa do mundo, Jerusalém. Futuramente, em algum lugar da História, o Unigênito de D’us será chamado Filho de Davi. Os maiores salmos fluirão de sua pena e de sua harpa. Irão chamá-lo rei, guerreiro, menestrel, amante poderoso e matador de gigantes. “O cara!”

Mas, por enquanto, ele sequer está incluído na reunião familiar. É apenas uma criança esquecida e descredenciada, realizando uma tarefa doméstica, sem banho, cheirando a pelo de carneiro, na zona rural de uma vila que não passa de um ponto no mapa.

O que levou D’us a escolhê-lo? É o queremos saber. É o que realmente queremos saber.

Nenhum comentário:

Postar um comentário