sábado, 15 de outubro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 7

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11



“Senhor, se estivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11, 21.32).

Betânia distava apenas 3 km de Jerusalém. Você podia ir a pé de uma cidade a outra. Pertinho! No entanto, escondida nas paredes daquela casa, pulsava uma vida que expulsava Jerusalém, no mínimo, pro outro lado do mundo, um planeta distante, onde nem se ouvisse falar da podridão da capital, com sua rede de intriga, desprezo e ódio. Dentro daquela casa, Jerusalém só existia como uma ameaça distante, que ali, apesar da proximidade, ficava ainda mais distante, na intangível casa de Betânia.

Os grandes personagens desse drama são os três irmãos de Betânia. Os três mais achegados e leais amigos de Jesus. Era para aquela casa que ele se retirava sempre, para repousar e fugir da agitação do mundo. Aquela era a casa para onde ele voltava. Aquela era a sua casa. Ele se refugiava ali para amar e ser amado. E para os três inseparáveis irmãos, estar com ele supria e completava tudo o que se esperava da vida.

Mas, quando João escreveu essa história, ele, na verdade, não queria apenas narrar um drama familiar, com todos os recheios de dor e alegria que fazem parte de qualquer família. O que será que João tinha em mente quando contou a história de Marta, Maria e Lázaro? Seja lá o que for, na época, todos sabiam. Ouviu essa? Vou repetir: seja lá o que for, na época, todos sabiam. Ninguém na época precisou explicar. Seja lá o que for, nós não sabemos. E é por isso que precisamos avaliar um fato, provavelmente, escondido atrás da história.

A primeira pergunta é: houve algum fato real que permaneceu escondido (desde sempre perdido) nos bastidores do drama de Lázaro? Se houve, será possível reconstituir a “cena do crime”, tanto tempo depois? Por outro lado, se houve um fato real, não terá sido dele que o drama extraiu toda a sua força e o seu potencial?

Observe! Nós todos somos habitantes de um planeta louco, no século XXI, sem tempo de cuidar decentemente de nós mesmos e de quem amamos. E assim mesmo estamos debruçados sobre uma história que nem sabemos direito se realmente aconteceu! De onde, então, brota a força que essa história tem? De onde vem o seu irresistível poder de sedução?

Você concorda comigo, meu amigo, agora, constituído detetive da história, que é preciso responder a essa questão? Você concorda comigo que muito dessa resposta abre horizontes no entendimento que podemos alcançar de nós mesmos e de nossa interioridade? A grande Teresa d’Ávila dizia que um minuto de auto-conhecimento vale mais que muitas horas de oração. Você concorda comigo, digo, com ela? É a Teresona!

Então, é bastante provável que um fato real tenha acontecido e que ele, justamente, ele é que esteja por detrás da narrativa do Lázaro. E que esse fato tenha ocorrido por volta do final primeiro século, no momento em que o evangelho de João era escrito. Um fato real. Qual?

Pense nalgum líder de comunidade. Agora, pense nalgum líder de comunidade, daquela época. Aproveite, também, e imagine que esse líder se chamava Lázaro (e por que não?). Imagine que ele houvesse perdido o entusiasmo, o élan, a garra de continuar acreditando e lutando pelos seus ideais. Imagine que era justamente aquilo em que ele acreditava que mantinha seu desejo de viver. Que suas crenças eram a viga que sustentavam a casa. Imagine que ele nem quisesse mais viver! Já imaginou onde vai dar isso? Quem perdeu isso, perdeu tudo. Perdeu a si mesmo. Morreu. Morreu para a vida do espírito. Matou a vida em vida. Bem pior que a morte, né!

Se isso aconteceu, a bem da verdade, não foi nem a primeira nem a última vez. Essas coisas acontecem todos os dias, e sempre desembocam nos mesmos resultados, com uma previsibilidade espantosa. Seja como for, toda vez que alguém abandona, vende ou troca os seus ideais por qualquer moeda corrente, confundindo isso com o nobre mister de cuidar da própria vida, toda vez que isso acontece, esse sujeito morre. Mas não morre sozinho; com ele, um punhado de gente morre junto.

O que eu estou querendo dizer é o seguinte: é bem provável que lá pelos idos do final do primeiro século, algum líder da comunidade (cristã) tenha perdido os ideais em que acreditava. Morreu a morte do espírito.

Alguém viu aquilo, associou com algo que ele conhecia de uma antiga história envolvendo uma família de Betânia, juntou as duas histórias, e encontrou um meio de contar o que estava acontecendo, ali, por perto. Um meio como nenhum outro relato jornalístico seria capaz de descrever de forma tão envolvente. Como uma metáfora. Quem lesse uma, entenderia a outra.

Consegui ser claro?

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