quarta-feira, 12 de outubro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 6

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11

Que ligação é essa entre o amor e a morte? Ainda não tive ocasião de voltar a essa pergunta que ficou dependurada ali atrás. Antes preciso falar de Betânia. Foi lá onde tudo começou. No começo do evangelho, João menciona Betânia.

Compare João 1,28: “Essas coisas se passaram em Betânia, do outro lado do Jordão, onde João estava batizando.”

Com João 10,40: “Novamente, se retirou para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no princípio, e ali permaneceu”.

Parece que o autor do evangelho de João moldou esse “lugar onde João batizava no princípio” para estar no começo de tudo: quando tudo começa, no capítulo 1, e quando tudo recomeça, no capítulo 11.

Na verdade, esses lugares não existem. Eles só existem na topografia simbólica do evangelho de João. Esse lugar é um lugar imaginário, o lugar ideal da comunidade dos discípulos, onde eles podiam conviver, ao mesmo tempo dentro e fora da influência das autoridades judaicas e do perigo que os rondava: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal” (Jo 17,15). Perigos, sempre existiram.

O evangelho de João é datado entre 95 e 100 DC, provavelmente, logo em seguida à morte de Domiciano e o início do governo dos chamados “cinco bons imperadores”, que promoveram a paz no império e, sobretudo, não importunaram os cristãos. Domiciano havia promovido a segunda grande perseguição aos cristãos. Agora, abria-se um tempo de relativa paz.

É nesse contexto que o autor do evangelho de João escreve. Há paz. Mas ainda há medo. Em todas as reuniões, comparecem cristãos mutilados pelas torturas. As famílias choram seus mortos. O perigo ainda ronda e nunca se pode subestimar o inimigo. Na situação dos discípulos de João, os inimigos se escondiam atrás das portas. Eram os judeus da seita dos fariseus, que haviam fugido para a Ásia Menor, na época chamada de Anatolia, hoje, a Turquia. Lá, vivia a comunidade fundada por João. Para lá, fugiram os judeus. Essa mistura não ia dar certo.

Pois bem. É nesse contexto de pororoca que o evangelho de João foi escrito. Forças contraditórias espremiam um pequeno grupo de cristãos, ilustres joão-ninguém dissidentes, que não sabiam direito nem qual era o seu rumo nem qual era a sua identidade. Na carteirinha de afiliação não havia nada escrito.

Betânia, portanto, não é um lugar, é uma situação. Se você conferir, no início do relato do capítulo 11, os discípulos relutam em concordar que Jesus possa passear pela Judéia incólume. “Disse Jesus: Vamos outra vez à Judéia. Os discípulos contestaram: Mestre, agora a pouco os judeus queriam te apedrejar, e vais de novo para lá?” (Jo 11,8).

Betânia, colada em Jerusalém, tinha para aquele pequeno grupo o significado de “perder a noção do perigo”. Nesse sentido, Betânia era justamente uma metáfora daquilo que os cristãos da época de João, ano 100 DC, viviam: o perigo mora ao lado, talvez, dentro. Não tem como, às vezes, rendo-me a Sartre: em não poucos casos, “l’enfer c’est l’autre”.

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