sexta-feira, 7 de outubro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! - 3

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)


Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11


Como já disse, João escreve sete sinais. O “sinal” de Lázaro é o sétimo e o que mais chama a atenção.

1. Pela extensão do relato;
2. Pela quantidade de detalhes;
3. Pela maneira como os sentimentos são expostos à flor-da-pele;
4. Por anteceder imediatamente o relato da Paixão;
5. E, principalmente, porque, neste sinal, ao contrário dos outros seis anteriores, Jesus se envolve emocionalmente na trama.

Aliás, é isso mesmo. Esse é o único “sinal” em que Jesus se envolve, até o choro. Nos outros “sinais”, ele participa, intervém, faz acontecer, mas não se envolve nem com a problemática nem com a solucionática.

Aqui, existe envolvimento: Jesus chora. E os judeus observam: “Veja como ele o amava!” (Jo 11,36). E tendo comprovado esse amor explícito, claro, não deixaram passar batido: “Ele que abriu os olhos ao cego, não poderia também ter evitado que também esse morresse?” (Jo 11,37).

No “sinal” de Lázaro, Jesus se abre, revela-se, não se esconde nem esconde o jogo. Visivelmente fragilizado pela proximidade da “sua morte”, é aqui, neste ponto, que Jesus é mais Jesus. Todas as demãos futuras de tinta que foram passadas por cima do texto, não conseguiram apagar sua força primitiva. Neste “sinal”, Jesus tem... hesitações.

Enquanto, nos outros sinais, ele age e se move com leveza e liberdade, neste, Jesus se encontra “atado” por sentimentos e apelos que não consegue nem definir nem se desembaraçar. Quando, no final, ele ordena que desatem Lázaro, para que ele se vá, quem, na verdade, estava sendo desatado era Lázaro ou Jesus? Desde o início do texto, quando Jesus ainda se demora dois dias, para só depois avançar o passo e sair do lugar, o relato segue hesitante o tempo todo. É um texto “amarrado”. E termina, como disse, com Lázaro, saindo do túmulo amarrado. “Desatem e deixem-no ir” (Jo 11,44). Mas quem? Do quê? E pra onde?

Durante o texto, todos os personagens estão amarrados: Marta, Maria, Lázaro (esse, literalmente) e Jesus. Como já disse, nos outros sinais, ele sabe o que fazer, vai lá, e faz. Neste, a impressão que se tem é a de que ele não sabe direito o que fazer, demora a sair do lugar, demora em ir, e quando chega, não faz. “Ele que abriu os olhos ao cego, não poderia também ter evitado que esse morresse?” (Jo 11,37). Repito: neste sinal, não há nem leveza nem liberdade. Todos estão amarrados. E aquele era o momento de romper laços. Também Jesus, às vésperas da morte, tem de romper laços. Você nunca pensou nisso, né?

O capítulo 11 de João é reticente do começo ao fim.

Nesse sentido, os evangelhos se encontram entre os grandes exemplos de honestidade intelectual. Nenhum deles, nem o gnóstico João, manteve pruridos moralizantes de estampar um Jesus humano demais: um Filho de Homem. Na ética do Evangelho, a dúvida também tem lugar.

Mas, vou logo explicando que estou lidando com um texto e é só o texto que interessa.

Você pode analisar a Bíblia, como qualquer outro texto, olhando apenas para o texto. Da mesma forma como pode analisar qualquer outro texto. O que existe é o que está escrito. No caso da Bíblia, a análise do texto bíblico obedece às normas de uma ciência que se chama Exegese Bíblica. Para ela, interessa tanto o que é dito como o que é omitido. Como em todo relato, em tudo aquilo que a fala humana deixa vazar, “buracos” ficam abertos, “lugares vazios” são tão eloquentes como aqueles em que a palavra toma a palavra. Quando é o silêncio que toma a palavra, um faro de detetive há de ser chamado para ler o que não foi escrito. Aliás, principalmente, o que não foi escrito.

Os Concílios de Nicéia, Éfeso e Calcedônia afirmaram a divindade de Cristo e suas teses continuam inteiramente válidas e respeitadas. Hulalá! Mas, aqui, não estamos falando do Cristo Filho de Deus, mas de Jesus de Nazaré, o homem histórico, com suas pulsões e suas vicissitudes, com seu psiquismo humano, carregado de alegrias, angústias e medos. E, sobretudo, de sua incrível humana capacidade de amar. Marcos observa no relato do episódio do jovem rico, que Jesus olhou para ele e o amou. É esse sujeito que ama que me emociona. Se dobro joelhos a todo amor, que dirá, a esse!

O que me interessa, neste texto, não é nenhum maior esclarecimento sobre a divindade do Salvador, mas o conhecimento da complexidade da alma humana. O que me interessa no capítulo 11 de João não é o quê é dito, mas o como é dito. E, sobretudo, como se movimentam os personagens da trama. Só isso. Mas tudo isso.

O caminho é longo, garanto, e cheio de surpresas. Coragem. Vamos lá!

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