domingo, 2 de outubro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! - 1

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)



Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11



Morte, vela, sentinela sou
Do corpo desse meu irmão que já se vai.
Revejo nessa hora tudo o que ocorreu,
Memória não morrerá.
Longe, longe, ouço essa voz,
Que o tempo não vai levar.
Precisa gritar sua força, é irmão,
Sobreviver!
A morte ainda não vai chegar,
Se a gente na hora de unir,
Os caminhos num só,
Não fugir nem se desviar!


(Milton Nascimento – Sentinela)


“Senhor, se estivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”. (João 11,21)



Eu comecei a pensar no Lázaro do Evangelho de João num momento de muita fragilidade em minha vida. Havia escolhas. Escolhas nos deixam frágeis. Fragilidades fazem com que a gente regrida e se infantilize. Fui ler Lázaro e descobri que todos os meus sentimentos estavam lá. Verifiquei que havia, lá e cá, uma extremamente frágil humanidade tentando alinhavar, lá, o relato, cá, a vida. Há momentos, não tem jeito, em que a gente se sente desidratado na alma, esvaziado por dentro, despossuído de si mesmo e, se não bastasse, com mãos gigantes apertando o pescoço.

É Lázaro. Era eu.

Existe em grego uma palavra para esse sentimento: é a palavra “astenon”, que significa debilitado, frágil, enfermo. “Astenon” e seu plural “astenói” são muitas vezes repetidas no texto e ao longo do Evangelho de João. Talvez, a melhor tradução para astenon fosse mesmo “desidratado na alma”. Os místicos de todos os tempos conheceram esse sentimento e o chamaram de aridez, acedia, noite escura da alma. Eles não tinham conhecimento daquilo que hoje se popularizou com o nome depressão. Mas que na verdade, vai além da depressão, pelo menos, além daquilo que pode ser numerado num catálogo de doenças, conforme os americanos gostam de interpretar as oscilações humanas.

Esse era Lázaro. E por que não eu?

Passou o tempo. Guardo lembranças daqueles dias como um momento axial na minha vida. Momento axial é quando a gente desce tudo da prateleira, desenrola os tecidos no balcão e depois recoloca tudo no lugar outra vez. Mas recoloca diferente. Depois de um momento axial, você nunca mais é o mesmo. Tenho a vaga impressão de que foi isso o que aconteceu a Lázaro, ou sei lá quem tenha vivido aquela experiência de ida-e-volta que João nos conta de forma brilhante no capítulo 11 do seu Evangelho.

A partir de hoje, quero conversar um pouco com você sobre Lázaro, aquele que era íntimo de Jesus, amado por ele, e que estava fragilizado, astenon, desidratado na alma, melancólico.

Se puder, leia o capítulo 11 do Evangelho de João. O que precisa ser dito está lá. O que eu vou dizer é só rodapé.

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