domingo, 30 de outubro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 10

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11


Lázaro se apagou. É noite.

Foi assim que terminei na última vez. Lázaro se apagou. É noite. Mas Marta e Maria, não. Elas não se apagaram. E para elas continuava dia.

Por que as mulheres não se apagam? E por que para elas sempre é dia?

Eu adoraria encontrar registros de teólogas influentes na igreja primitiva, na era medieval, na igreja da reforma. Mas não existem. Quando acabei de escrever a palavra “teólogas”, o computador acusou a palavra como errada por ser inexistente. Nem o computador reconhece que existam “teólogas”. Embora as mulheres estivessem certamente presentes e tenham sido fundamentais na vida espiritual das igrejas do cristianismo ao logo de sua história, até recentemente nenhuma delas foi capaz de influenciar de modo considerável o curso e a direção da teologia das igrejas.

Mesmo se a Igreja Latina Católica Ocidental reconheceu Catarina de Sena, Teresa de Ávila e Teresa de Lisieux como “doutoras da igreja”, elas não são propriamente teólogas: são místicas. Se as doutrinas espirituais são parte da teologia, nem por isso os místicos, que ensinam mística, ensinam teologia, a ponto de serem chamados de “doutores”. Francisco de Assis é um místico, OK? Mas não tem o título de “doutor da igreja”. O que faz crer que o título dado a essas três mulheres tem muito mais o sabor de prêmio de consolação do que o de um real reconhecimento por aquilo que as igrejas cristãs tenham a aprender das e com as mulheres.

O fato é que existem os “pais da igreja”, mas não existem as “mães da igreja”. E o evangelho é rico dessas mulheres. Marta e Maria, por exemplo.

Li outro dia uma tese interessante sobre teologia. O autor dizia que a teologia é um exercício intelectual, uma manobra de idéias, um jogo expansionista cujo objetivo é anular a posição do antagonista. Segundo o autor, a proposta da teologia não é apenas a de estabelecer contornos para a imponderável verdade espiritual; seu objetivo declarado é vencer e eliminar a oposição pela manobra rasteira do convencimento. Nesse jogo do “quem é mais forte” ou do “quem está mais certo”, sem dúvida, sempre esteve presente o tabuleiro dos interesses masculinos.

É que a teologia – ria, por favor – sempre foi escrita por homens que não estavam fazendo sexo. Tem um monte de outras coisas que você pode fazer enquanto não faz sexo. Acontece que historicamente – ta lá, nas linhas e nas entrelinhas – a teologia foi escrita por homens obcecados por sexo, e pelos motivos errados. A teologia, sobretudo, a medieval, mas não apenas esta, foi o esforço masculino de demonstrar que a verdadeira espiritualidade exige afastamento do mundo real. Daí a abstinência, a assepsia das idéias, o caráter infantilmente conduzido das discussões. Coisa de homens. Minto. Coisa de meninos.

Vamos falar claro: as mulheres não têm esse problema sexual. Não dessa forma. As mulheres não acham necessário contrastar a vida cristã com o que quer que seja, qualquer que seja a delícia da realidade física. Foi por isso que Marta e Maria renderam-se imediatamente ao charme de Jesus de Nazaré, o contador de histórias, que se recusava a rebaixar-se à especulação teológica e abraçava o mundo dos sentidos com mais avidez e candura do que o mundo das idéias.

As mulheres sabem que espiritualidade não é coisa da cabeça, mas do coração. Elas sabem que o que existe de relevante na mensagem de Jesus se manifesta em pés empoeirados, em abraços, unhas sujas, panelas de comida, manchas difíceis de sair, cafunés, consolos, longas conversas na madrugada, na cabeceira de doentes, na limpeza das secreções, nas lágrimas, na confecção de presentes, na sustentação de relacionamentos, na visita aos esquecidos, no repartir do pão, no sorriso dividido, no dilema de consciência, na intimidade da cama, na companhia silenciosa, na ausência impensável. Ops! Ninguém precisa queimar sutiã. Essas são atitudes que Jesus teria. Você escolha.

Em 1º de abril de 1933, aos 91 anos, Julie Bonhoeffer, avó de Dietrich Bonhoeffer (teólogo alemão morto num campo de concentração por discordar de Hitler), atravessou desafiadoramente o cordão de isolamento das tropas alemãs no boicote imposto aos estabelecimentos judeus. Ela caminhou, além da linha divisória dos soldados perplexos, e foi fazer compras na loja dos judeus que costumava freqüentar.
Marta e Maria? Maria, não sei. Marta faria a mesma coisa. Se resta na Terra evidência que honre a herança de Jesus, isso não se deve aos meandros e aos quiabos da teologia. Mas aos muitos joãos-ninguém, e às muitas Martas e Marias.

Devo um monte dessas idéias a um autor muito interessante.

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