domingo, 1 de abril de 2012

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 25

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11

Já foi dito o quanto Jesus estava comprometido com esse sétimo sinal. O sinal de Lázaro comporta duas mutações num layout paralelo: a mutação de Lázaro e a mutação de Jesus.

Se Jesus caminha ao encontro de Lázaro é para compreender o que acontece dentro de si mesmo. Jesus precisa conhecer o seu amor, precisa saber, especialmente naquela hora, o quanto ainda necessitava de amigos, o quanto ainda se prendia a eles, e o quanto eles o prendiam por amá-lo como amavam. Sua Hora estava chegando, e ele não dispunha mais de tempo para se prender por aí, em amores lícitos e desejáveis, mas que não faziam parte do seu projeto. Na medida em que sua Hora se aproximava, com ela se aproximava também o momento de se desfazer dos nós que se pudessem tornar empecilhos à sua Hora.

Então, num rugido sem precedentes e sem calcular as próprias perdas, Jesus se separa deles. “Lázaro, sai para fora!” Lázaro, sai para fora dessa relação. Corte os cordões umbilicais que ainda nos prendem um ao outro. Liberte-se de mim. Eu me libertarei de você. Jesus, o de Nazaré, se desapega daquilo que ainda ficou nele de amor transferencial, passional e exclusivo. Renuncia-se a si mesmo. Livra-se de Lázaro, desperta-o e o faz existir para ele mesmo, como só pode acontecer a quem se torna adulto.

É como se, naquele momento, Jesus passasse a ser apenas a placenta abandonada, e Lázaro, um feto recém-nascido, ainda envolto em suas faixas. É hora de Lázaro crescer e se transformar em adulto. Ele não precisa mais ser carregado por ninguém. Só nessa condição, ele pode amar Jesus. Só falta o “Desamarrem e deixem que ele se vá”. Não diz “que ele venha”, mas, “que ele se vá”. Pronto. Ele já pode ir. Lázaro já pode ir. Jesus, também.

O relato de Lázaro antecede e prepara o relato da Paixão e Morte. Não poderia vir antes nem depois. Só tem lugar ali, exatamente ali, onde foi colocado. Naquele momento, morre em Jesus o resto que havia das transferências de um amor que espera ser amado. Naquele momento, e ali mesmo, tem início a Paixão.

No deserto, os objetos e as motivações de que o adversário dispunha eram sedutores para qualquer um. Mas ele, em si mesmo, não era sedutor nem merecia ser amado. Daquela tentação, Jesus saiu vencedor.

Na casa de Betânia, as coisas eram diferentes. Não havia motivações ou objetos sedutores. Mas as pessoas eram sedutoras, lindas, amavam e podiam ser amadas. Aliás, como era fácil amar, naquele lugar! Lá, Jesus era entendido, consolado. Amava e era amado, por sua própria beleza, como pode acontecer e acontece a qualquer um. Ninguém nunca pensou nisso, mas em Betânia encontrava-se a última tentação de Cristo.

A maneira pela qual Jesus realiza essa separação, mutante para ele e para Lázaro, é particularmente heróica, e prefigura o desapego último e supremo da Paixão. Ao sair do túmulo de sua neurose, o homem Lázaro está pronto para a vida. O evangelho não menciona nenhum olhar, nenhum agradecimento. Isso significa que o homem Jesus está pronto para a morte. Dentro dele, ele já morreu, para si mesmo.

É a sua hora.

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