domingo, 1 de abril de 2012

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 26

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11

No capítulo seguinte, Jesus se encontra à mesa, numa ceia fúnebre. “Marta servia, e Lázaro se encontra à mesa com ele” (Jo 12,2). E nós não precisamos perguntar de que jeito Lázaro se encontrava à mesa com ele. Encontrava-se. Ponto.

Maria é quem mais demonstra o núcleo da mudança que ocorreu nos três irmãos, após as mutações que ocorreram em Lázaro e em Jesus. Ela, apenas passiva aos pés de Jesus, na cena de Lucas, agora, torna-se ativa. Quebra uma libra de perfume, de nardo puro e muito caro, unge com ele os pés de Jesus e os enxuga com seus cabelos. E a casa inteira se enche com o perfume (Jo 12, 3).

Maria, a irmã de Lázaro, reviveu. Reviveu nela a dinâmica de um desejo que vai além da passividade. Ela deixou de ser criança e se tornou mulher, capaz de agir tudo o que pode agir e de dar tudo o que tem para dar. Aquela que bebia Jesus com os olhos, agora, derrama em seus pés o perfume de um amor muito raro e muito caro. Ela continua aos pés de Jesus. Mas não mais como antes, quando ela só recebia. Agora, já pode dar. O perfume é o íntimo mais íntimo do seu ser mulher.

Mas duas coisas precisam ser ditas.

Primeira: todos os outros, presentes à cena, também podem receber a manifestação daquele amor. O perfume se espalhou e encheu a casa inteira. Ao contrário de Lázaro, Maria ama com o amor que sabe amar, mas não para reter para si o objeto de um amor exclusivista.

Lucas narra uma cena parecida, mas de modo diferente (Lc 7,36). Para Lucas, trata-se de uma mulher de vida duvidosa. Em João, quem está aos pés de Jesus é Maria, irmã de Lázaro, de vida acima de qualquer dúvida. No entanto, na essência do seu modo de amar, aquelas duas mulheres, tão diferentes, realizam a mesma coisa. Elas que antes viviam no anonimato, agora podem “oferecer” – e em público, aos olhos de todos – as provas do seu amor. Declaram o seu amor por Jesus, mas, ao contrário de Lázaro, não o querem somente para si. Amando, como o feminino consegue amar, elas sabem, com uma clareza sem precedentes, que ele não lhes pertence, nem a elas nem a ninguém.

Segunda: não foi apenas Lázaro que mudou. Maria também mudou. E seria pedir muito, dizer que Jesus também mudou? A Judas que reclama do valor desperdiçado, Jesus responde: “Ela guardou esse perfume para o meu sepultamento”. Naquele momento, Jesus opera a mesma ruptura de antes, com Lázaro. Mas agora, la chose acontece entre ele e Maria. Ela erotiza a sua homenagem. Ele aceita aquele amor, mas responde, dizendo-lhe que já não é mais para esta forma de ser amado que ele pretende deixar-se amar. Ele não pode pertencer a ela, porque não pertence mais a ninguém, nem a si mesmo. Maria entendeu, porque algo nela já havia mudado.

Em Caná, Maria de Nazaré, pela mutação do vinho, havia revelado a Jesus que a sua hora de entrar no mundo havia chegado. Da mesma forma, Maria de Betânia, com seu perfume, lhe revelou, pela mutação de seu amor, que a sua hora de sair do mundo estava próxima. Tempo de mudanças e mutações.

João 11 é o capítulo das mudanças necessárias e não prorrogáveis nas motivações escondidas nas dobras da vida e do amor. Um grande momento de mutação para todos: Lázaro, Marta, Maria e Jesus.

João 11 é o capítulo que abre a narrativa da Paixão. É que a morte não tem a última palavra. Nesse caso, ao que tudo indica, só tem a primeira.

FIM

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