sexta-feira, 13 de abril de 2012

TECNOÉTICA - 1

E por falar em anencefálicos...



Acabamos de assistir à votação da descriminalização do aborto em anencefálicos pelo STF. É uma boa hora para se repensar as questões éticas.

Quando aparece a palavra “ética”, a primeira pergunta que sobe à tona é: as regras mudam, e elas podem mudar? Dito de outra forma: a ética têm fronteiras? Se tem, quais são e onde estão as fronteiras da ética?

Imploro o benefício da dúvida para fazer uma afirmação que terei de sustentar ao longo de todo texto, e eu não sei onde estou com a cabeça de fazer uma coisa dessas, quando todas as portas do shopping, escancaradas, reclamam minha ilustre presença por lá. Tsss... Coragem!

A afirmação é esta: Sim, existem fronteiras para a ética e essas fronteiras (como qualquer fronteira) se deslocam. A História mostra isso.

Na História do mundo toda vez que a espécie humana experimentou um salto tecnológico houve uma transformação nas regras de convívio, na moral e nos códigos de ética. Observem.

Quando o homem inventou a agricultura, ele experimentou um poderoso avanço tecnológico e, junto, como consequência, um baita avanço ético. É que quando homem ainda era nômade e vivia da coleta de alimentos, não havia como produzir nem como estocar os excedentes. Se houvesse uma guerra e a tribo inimiga fosse aprisionada, seria impraticável aprisionar os reféns. Não havia como alimentá-los. Resultado? Ou os reféns eram dizimados ou eram devorados, geralmente, a segunda coisa depois da primeira.

Com o surgimento da agricultura, o homem troca a vida nômade pela vida sedentária e se fixa num território. Surge a escravidão e o casamento (quase na mesma ordem!). O casamento para erigir herdeiros. A escravidão para construir o que deixar para os herdeiros.

Dali pra frente, toda vez que havia um conflito tribal, nos mesmos moldes de antes, já havia excedentes de alimentos. Ao invés do puro e simples extermínio, agora, os reféns viravam escravos. Olha que beleza! Eles já não eram mais mortos nem devorados. A agricultura, por si só, produziu um avanço tecnológico e ético considerável. É claro que a escravidão é abominável sob qualquer ponto de vista. Mas, naquele contexto primitivo, foi passo à frente em relação ao canibalismo. Seja como for, o valor ético da vida começava a ser respeitado. E observem: como decorrência do avanço tecnológico. Estava-se ainda muito longe do ideal, mas já era melhor do que antes!

Mais um exemplo.

A revolução industrial foi possível graças à invenção do vapor e as primeiras linhas de produção. O trabalho braçal – cru – começava a ser dispensado, substituído pelas máquinas. Ora isso aumentou a produção. O fato de haver mais produção dispensava o braço, mas exigia o bolso. Era preciso ter mais gente para comprar o excesso produzido. Essa nova ordem econômica se tornou incompatível com a escravidão. Era preciso que houvesse homens livres, que vendessem a sua força de trabalho, e em troca fossem remunerados para... consumir.

Olha aí, gente! a agricultura havia posto um fim no canibalismo, mas criado a escravidão. As linhas de produção puseram um fim na escravidão, mas criaram uma nova ética: a da sociedade de consumo.

O SALTO ÉTICO NÃO ACONTECE PORQUE O HOMEM “MELHORA” OU FICA BONZINHO. O SALTO ÉTICO ACONTECE PORQUE A NECESSIDADE EXIGE.

E mais. Essas engrenagens movem-se por si. Os novos valores que surgem na esteira dos grandes avanços e das transformações não foram frutos apenas de consensos abstratos. Eles se impuseram de acordo e a partir da nova lógica que passava a surgir. Repito. O salto ético não acontece porque o homem “melhora” ou fica bonzinho. O salto ético acontece porque a necessidade exige.

Então, ao invés de falar de ética, precisamos falar de tecnoética. A questão que se coloca não é mais se a ética muda ou não muda, mas a velocidade em que muda.

Em 1943, a questão ainda podia ser se as regras mudavam. Em 1943, a Normandia ainda não havia sido invadida e a II Grande Guerra ainda não havia mudado a favor dos Aliados. De lá pra cá, o mundo virou no avesso um punhado de vezes!

A pergunta de hoje é outra, e a agulhada dói mais. A pergunta é esta: Você vem atualizando seus conceitos com a mesma frequência com que troca o aparelho de TV, o tablet ou o celular?

Eu continuo tá!

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