domingo, 22 de janeiro de 2012

SÍNDROME DO PÂNICO (3)

Gostaria que você prestasse bastante atenção a isso que vou lhe dizer. O que mais tarde aparece como doença – Síndrome do Pânico – ela mesma é uma configuração psíquica em forma de defesa organizada para evitar um colapso que já ocorreu.

Como assim, já ocorreu?

O vidro, de antemão, tem seus pontos de clivagem: em determinados lugares do vidro, ele já se encontra quebrado. Isso explica porque uma pedrinha que bate no pára-brisa, às vezes quebra, às vezes não quebra o parabrisa. Sabe aquele copo “cristal bacará-cica” (ex-requeijão) que bate, bate e não quebra? Pois é, às vezes, uma encostadinha na pia e plim! Quebrou. Mas por quê? Por que a pedrinha quebrou o vidro? Quebraram-se, porque foram atingidos nos seus pontos de clivagem, ou seja, no exato lugar onde já estavam quebrados.

Nós temos nossos pontos de clivagem. Às vezes, por nada, uma pedrinha, uma palavra... e a gente se quebra. Há pessoas do nosso entorno que tem o toque cirúrgico, alguma capacidade extraterrestre de saberem exatamente onde a gente se quebra. Aí, vão lá, e plim!

A Síndrome do Pânico é uma configuração psíquica em forma de defesa organizada para evitar um colapso que já ocorreu. Ou seja, a gente tem medo de quebrar o que já está quebrado. O sujeito que não queria se referir aos pais em sua prosa, na verdade, o que não queria era expor-se a alguma quebra que já havia dentro dele. O medo de ter medo é o pior medo.

Você não veio pronto. Você teve de aprontar-se. O psíquico teve de se alojar no corpo. Ma não como um espírito que cai das alturas. O psíquico se alojou no corpo porque já estava ali, desde o primeiro momento, alucinando com a boca a primeira mamada assim que a fome visitava o ser desamparado. Como o psíquico se alojou no corpo? Isso só foi possível mediante suas primeiras relações. A mãe tem papel fundamental na apresentação do mundo à criança e da criança ao mundo. É com esse mundo que a criança irá se relacionar. É esse mundo que vai fazer dela o que ela será.

A apresentação do mundo acontece mediante o holding materno. Holding é um termo técnico criado pela Escola Inglesa para indicar o embalar materno, o sustentar nos braços e não deixar cair, a capacidade da mãe em apoiar o pequeno ser desde sempre – por que não pensar? – desde a nidação no útero. Esse não é um aprendizado cognitivo, mas emocional. Para a criança, não basta saber o que é o mundo. Ela tem de saber como é o mundo e, sobretudo, que o mundo é confiável. O holding materno faz do mundo um lugar confiável. Só existe relação onde existe confiança. Não há contrato humano que substitua ou dispense a confiança.

Esse espaço de confiança só pode acontecer num mundo previsível. A criança precisa de uma mãe consistente, regular, monótona, previsível. Nada pode acontecer “no susto”. Como disse Winnicott, no texto citado, nada pode acontecer “por coincidência”. Não é uma coincidência que a mãe esteja ali, onde o seu pequeno ser precisa que ela esteja. Não pode ser fruto do acaso o fato de a mãe acorrer ao chamado do filho, seja por choro ou alegria. Pelo menos, não deveria ser. É por evitar essas “coincidências” e ”acasos” que a mãe presente se faz presente de forma, apenas, suficientemente boa. Vamos ver, mais tarde, que essa presença materna deve ser apenas suficiente: nem mais nem menos.

Entre a mãe e o bebê, o espaço deve estar “sempre cheio”. Nesse espaço “sempre cheio” não sobra lugar para suspenses, sustos, irregularidades. Se o filho chora, ele sabe que a mãe está ali. “Mamãe ta aqui, mamãe ta aqui...” Se a mãe se ausenta, o espaço “sempre cheio” permitirá que o bebê suporte a ausência.

O caos se instaura se o espaço entre o bebê e sua mãe estiver “sempre vazio”. A resultância disso pode aparecer numa sensação de aniquilamento e loucura: a tal angústia impensável. A mãe precisa assegurar sua permanência no mundo e tecer sua presença constante. Daí a indispensável regressão materna nos últimos meses de gravidez. A mãe regride para poder falar a língua do “seu outro” do jeito como ele entenda: “Mamãe ta aqui, mamãe ta aqui...”

Esse “espaço sempre cheio” ficou conhecido como “preocupação materna primária”. Cabe à mãe saber o que o bebê necessita, sem que ele tenha a menor condição de se expressar. Mas uma vez, insisto: isso nada tem a ver com inteligência ou aprendizado cognitivo. Esse aprendizado não se alcança em livros ou revistas especializadas. Essa capacidade vem da própria saúde emocional da mãe. Em suma, essa capacidade resulta do que aconteceu com ela, do modo como aconteceu, do modo como ela enxergou e processou o que teria sido a “preocupação materna primária” da sua própria mãe, da mãe da mãe.

A falha (lembra-se dela?) recebe o nome de trauma. O que é o trauma?

O trauma é a quebra do sentimento de confiabilidade, no momento em que o ambiente fica imprevisível. O colapso vem da perda de confiança. Usem isso para todas as situações conhecidas em que houve a irrupção de um trauma psíquico. O que foi quebrado foi a confiança.

Nesse contexto, diria que as pessoas podem ser divididas em duas categorias: as que carregam e as que não carregam consigo a memória perdida da angústia impensável. As que carregam a memória de uma angústia impensável construíram a sua vida dentro dos muros de um castelo invisível, para ser uma organização defensiva contra o mundo e todos os seus perigos e ameaças, na maioria, imaginários. Isso gera uma situação de dependência permanente, para não se voltar ao colapso sofrido.

A mãe é suficientemente previsível, não quando ela não falha, mas quando ela não é uma falha. O bebê se apropria do sentido de previsibilidade. Só aí ele pode enfrentar a imprevisibilidade intrínseca da vida. Porque a vida é constituída de situações imprevisíveis e o escapismo não é a solução. Enfrentar a vida, do jeito como ela se apresente, sem se esconder de medo na couraça da covardia nem se aventurar em atrevimentos perigosos.

O pânico surge onde o colapso já existiu. O medo da perda acontece porque algo já foi perdido. O medo da morte existe porque ela já foi, de alguma forma, experimentada.

A “mãe suficientemente boa” não é aquela que evita todas as instabilidades. Isso não prepararia o sujeito para a vida. A “mãe suficientemente boa” permite que o bebê passe pela sensação de instabilidade, porque ela está ali, e ela sempre vai estar ali para garantir a volta da estabilidade e da segurança.

Foi assim que você foi psiquicamente constituído. Você foi constituído nessa dinâmica de perda-encontro, montando o equilíbrio de segurança-insegurança-segurança. A vida sempre será insegura, instável, precária e transitória. Saber como lidar com isso é o seu segredo. Será sempre o seu maior segredo.

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