sábado, 21 de janeiro de 2012

AS TAIS RELAÇÕES HUMANAS

Em latim, dizia-se que a natureza não faz saltos, “Natura non facit saltus”. A natureza não, mas a cultura faz. Aliás, a cultura só avança aos saltos. Um deles aconteceu por volta de 9.000 AC, quando a História humana deu um salto incomparável: o homem inventou a agricultura. Dali pra frente, era preciso determinar os espaços de cada um, cercá-los e respeitá-los. Dali em diante, era preciso deixar a água limpa para o outro que morasse abaixo, ou o de cima sofreria retaliaçõe. Pronto. Estava criado um novo modelo de relação humana diferente de quando o homem saía em bando para caçar e não “tava nem aí com nada!” O homem começava a ser um ser social.

Um modelo sempre puxa outro modelo. A partir desse novo modelo, surgiu o patriarcado. Os homens passaram a trancar suas mulheres em casa: era preciso ter certeza de quem era a cria que herdaria a possessão. A partir daí, os homens passaram a enterrar os mortos. Quem sabe também eles não brotariam como as sementes? A partir daí, o homem se encasquetou com a vida eterna. Claro! Se os homens não brotavam aqui, na certa, estariam brotando em outro lugar. A partir desse simples fato de enterrar a semente e vê-la crescer surgiria, aos poucos, como broto de planta nova, a extraordinária capacidade simbólica que só, veja bem, só o humano é capaz de ter. (E vê se não inventa que é por causa de glândula pineal ou isso ou aquilo. Não.) A capacidade simbólica do humano surgiu por causa da necessidade que só, veja bem, só humano tem de encontrar respostas para poder fazer novas perguntas.

Estava definitivamente instalada a relação humana. “E foram felizes para sempre!”

Bem, não tanto assim. É importante perceber que as relações humanas não são naturais. São culturais. Nada no humano é natural. Desde que nasce – desde a chupeta – tudo é cultural. Até fazer cocô é cultural. Uai! A gente teve de aprender onde, quando e como. Cachorro aprende? Aprende. Papagaio aprende? Não. Papagaio aprende a repetir, mas não sabe fazer o número 2 no lugar certo.

Assim que nasce, o pequeno ser é encharcado por um mar de cultura. Antes de entender qualquer palavra e apesar de não entender nada, a mãe já conversava com seu nenê. E ele se arrebentava de tanto rir só por ouvir aquela voz. A mãe-cuidadora estabelece esse vínculo emocional. E o pequeno ser cresce. A mãe-chocadeira, na verdade, realmente, providenciou tudo o que o pequeno ser necessita. Mas não “conversou” com ele. E ele adoece.

Se não houver relação humana não haverá ser humano. E vice-versa. Acontece que as relações não são um dado, são uma conquista, uma construção do dia-a-dia. E não é fácil. Imagine que toda estrutura jurídica de um país só existe porque as relações não subsistem por si mesmas. As relações são sempre estadas de mão-dupla. Há sempre toda possibilidade de choque nesse caminho, há perigos nas encruzilhadas, mas não há como não compartilhar essa jornada. E quando o caminho se faz difícil, a última coisa a ser feita é apontar com o dedo indicador na direção do outro, com aquele solene: “Foi por sua causa!” Os dois estão a caminho, os dois são responsáveis por todo êxito e por cada fracasso. Discutir ad nauseam a porcentagem de culpa de cada um não leva a lugar nenhum e só causa ainda mais sofrimento e dor.

É justamente aí que o Evangelho linka com a experiência humana. O Evangelho recria as estruturas antigas e as faz novas: vinho novo em odres novos (Mt 9,16). Ele faz novas todas as coisas.

Jesus não curou fígado, estômago, rins, aparelho reprodutor, sistema cardiovascular... Será que não havia nenhum hipertenso por ali? Mas Jesus curou olhos (que não enxergam a realidade do outro), ouvidos (que não conseguem ouvir o outro), a fala (de quem se recusa a se comunicar), a lepra (para que o sujeito possa se deixar tocar pelo outro) as mãos (sobretudo, as secas) os pés (sobretudo, os coxos)... Ou seja, ele curou os órgãos das relações humanas. Melhor: o que ele curou foi a própria relação humana doente.

O protótipo das relações humanas é o casamento. Se não for onde mais as relações adoeçam, pelo menos, é onde mais demonstram sua capacidade inerente de adoecer.

Tudo começa na paixão. Mas paixão é só a primeira marcha: só serve para tirar o carro do lugar. E ninguém dirige na primeira marcha, isso detona o carro. O amor vem da segunda marcha em diante. Dependendo do terreno, do carro e da perícia do motorista, o carro-casamento pode andar até na quinta marcha. Se a estrada não for boa, a subida for íngreme, ou você precisar reduzir a velocidade, a marcha terá de ser reduzida. Enquanto você não souber dirigir, não ultrapasse. Se você não estiver em condições de dirigir, não corra. Se beber, não dirija.

Por falar nisso, você é vinho. Suas relações dependem do tipo de vinho que você é. Vinho ruim, com o tempo, avinagra. Vinho bom, com o tempo melhora. Todos os nossos atos, gestos, atitudes e relações são um brinde à vida. Então...

Saúde!

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