sábado, 31 de março de 2012

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 21

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11

Para entender, realmente, o que estava acontecendo ali, precisamos voltar atrás e ver que tudo começa na demora de Jesus em atender ao pedido das irmãs. Não há como explicar o porquê de, mesmo sabendo da situação do amigo, ele não arredar pé e ainda permanecer dois dias no lugar.

Ao adoecer, Lázaro havia regredido a um estado vegetativo, como uma árvore cortada de suas raízes, um feto não mais alimentado pelo cordão umbilical. Lázaro se tornou um feto morto ainda no útero. Ele existe, mas apenas como um ser devolvido à terra-mãe, envolvido em faixas, sem nenhuma comunicação com qualquer outra vida que continue existindo fora da sua neurose pessoal. Em Lázaro não há mais relação com o ambiente. Ele se tornou o ambiente.

Lázaro está desorganizado psiquicamente. Como uma criança, que ainda não estruturou um ego a ponto de funcionar como “gerenciador de programas”, em Lázaro não existe um organizador interno forte o suficiente para dizer-lhe que seus sentimentos não são autênticos nem verdadeiros. São reais, sim, mas não pertencem à esfera da realidade. Que o seu sofrimento exista, é claro que sim! Mas é um sofrimento neurótico, constituído de fantasias à deriva da realidade externa. Lázaro misturou e confundiu de tal forma o mundo externo e o mundo interno que se perdeu na fronteira entre os dois. É nessa fronteira que o sujeito deprimido, muita vez, se encontra perdido.

A pena de João captou essa desorganização psíquica interna, em Lázaro, quando falou do cheiro de putrefação do corpo. Já fazia quatro dias, lembra Marta. João comparou a desorganização da alma de Lázaro com a desorganização orgânica a que os corpos são submetidos, quando nada mais funciona e a vida não corre livre e o corpo se putrefaz. É assim que se encontra Lázaro: nada mais funciona, a vida não corre livre, a alma se decompõe.

Jesus sabia disso quando se demorou a sair do lugar. Sabia que a relação que prendia Lázaro a ele era uma relação de dependência. Sabia que havia se tornado a mãe nutriz de Lázaro. Sabia que a morte em vida de Lázaro, a total falta de interesse pelo mundo, pela comunidade, por si mesmo, não era outra coisa senão a necessidade e a falta da presença física, quase diria carnal, que Lázaro aspirava dele. (Pra falar a verdade, não sei se Jesus sabia, mas João, ou quem tenha escrito, esse, sabia.)

Jesus percebeu que, no caso de Lázaro, de maneira exemplar, o risco de falhar em sua missão era muito grande. Bastava que Jesus o amasse com a necessidade infantil que Lázaro exigisse daquele amor, bastava que Jesus se fechasse nele, e que ambos se fechassem em um pequeno e exclusivista mundinho interno, para que sua missão fracassasse. Ele pressentia aonde sua missão o levaria. Se Jesus se prendesse a eles, ao amor deles, à necessidade que sentiam dele e, por que não, à necessidade que sentia deles, com certeza, não teria tido nem coragem nem liberdade para seguir até o fim. Dois capítulos à frente, João escreve que “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (13,1). Entre esses “seus”, um lugar de destaque era ocupado pelos três irmãos de Betânia, com sua maneira insólita de amar. Se Jesus se prendesse a eles, a frase de João ficaria no ar ou sequer teria sido escrita. Se Jesus não tomasse cuidado, Lázaro, o amigo, teria se transformado em Lázaro, o estorvo.

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