domingo, 11 de dezembro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 14

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11


Quando o autor do Evangelho de João juntou o trio Jesus, Marta e Maria, na verdade, ele tinha em mente um outro trio bastante conhecido, sobretudo, deles, dos leitores da época. O trio era Jacó, Lia e Raquel. Jacó, Isaac e Abraão foram os pais de Israel. Raquel, Lia, Rebeca e Sara foram as mães de Israel.

Nesse sentido, Jesus, Marta e Maria seriam, propriamente, o quê?

Vamos encontrar esta questão mais adiante, mas eu gostaria que ela ficasse, desde já, como moldura do quadro.



Na última vez que nos encontramos com ela, Marta questionava a ausência de Jesus. Lembram-se? “Se o Senhor estivesse estado aqui, meu irmão não teria morrido”.

Na verdade, tratava-se da plena atuação de um outro mecanismo de defesa: a conhecida projeção. Marta projetou seus sentimentos. Lançou fora de si o insuportável que nos habita e que, no fim das contas, somos nós mesmos – é ela mesma – nossa história de vida, nossa biografia.

Mas, se Marta projetar sua história de vida para fora de si mesma, vai sobrar o quê? Quase nada. E é aí que mora a crueldade da situação. Lázaro estava morto. Tudo o que era vida, começa a cheirar à morte. Inclusive as duas irmãs? “Jesus falou: Tirem a pedra. Marta, irmã do falecido, disse: Senhor, já está cheirando mal. Faz quatro dias” (Jo 11,39). Será que Marta se referia à putrefação dele, ou à estagnação delas?

O diálogo entre Marta e Jesus é uma obra prima da semiótica humana. Marta enxerga, mas não ouve. Ainda não compreendeu que é com os ouvidos que se vê melhor. Jesus fala, ela não ouve: está cega por não poder ouvir.

E a cegueira de Marta quase cega Jesus. Se ele entrasse no jogo dela, os dois iriam ficar multiplicando justificativas e racionalizações, projeções e outros mecanismos de defesa, até não chegar a lugar nenhum, e depois recomeçar tudo de novo, de novo sem rumo, outra vez. Mas ele não entra no jogo dela. Ele corta o palavreado desconexo com uma frase e barra a projeção de Marta: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim não morrerá para sempre. Você acredita nisso, Marta?” (Jo 11,25-26). Foi como se um gongo soasse aos ouvidos surdos, provocando, ao contrário do que se espera, alguma capacidade de ouvir. Marta cede em suas projeções.

Na projeção, a conexão com a realidade encontra-se sempre seriamente avariada. Jesus não se deixa levar pelas projeções da irmã mais velha do morto. Não se enreda no enredo dela. Só um novo significante seria capaz de deslocar Marta do lugar de onde ela flertava com a morte.
Marta tem Jesus onde projetar todo mau cheiro interno. Poderia ser qualquer um, mas quem melhor que Jesus? Quem suportaria uma projeção maciça como aquela? E quem não sucumbiria a ela?

Todos os dias, pessoas projetam sobre os outros as culpas e frustrações de seus malogros. Terapeutas, pastores, professores, médicos, pais... ninguém escapa. O que fazer? Racionalizar, como Marta? Entrar no jogo do outro? Deixar-se conduzir pelo vazio que ele porta, mas não suporta?

E isso acontecer, não sobrará nada, a não ser o sabor do vazio que o outro carrega e descarrega. Esse vazio não pertence a ninguém senão ao portador. Podemos indicar caminhos, viabilizar soluções. Mas preencher o vazio do outro? Ai, ai, ai... Essa é uma pretensão onipotente, que camufla desejos distintos de qualquer finalidade terapêutica, pastoral e afins. Esse caminho é escorregadio.

Marta foi por esse caminho. Se Jesus não tivesse lhe mostrado o caminho de volta a si, Marta estaria, até hoje, resmungando: “Se o Senhor estivesse aqui...”

Jesus mostrou à Marta um caminho ético. “Não são doze as horas do dia? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo” (Jo 11,9). O contrário do ético é o mecânico.

Mas essa é outra conversa.

Um comentário:

  1. Prezado Renato,sábias e viaveis suas palavras, só não digo verdadeiras porque a verdade não é unica, couberam a mim como uma luva, o mais dificil é se entregar nas mãos de Jesus, as desculpas, ha, as desculpas....parar com elas é a ordem do dia, vamos FAZER!!!
    com carinho
    Ana Carolina

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