sábado, 19 de novembro de 2011

LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 11

E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)

Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11



Muitas vezes, e de muitos modos, creio, você já se sentiu frágil diante das exigências que tem de suportar, todos os dias. Há tanta cobrança pedindo atenção, solicitando opinião, exigindo atuação que, de repente, a vontade mesmo é de sair correndo por aí, gritando: Não estou mais aqui!

Né?

Isso, que sobe e aperta, e quase nos ameaça implodir, tamanha exigência com que se impõe, tem nome: chama-se angústia. A palavra vem do latim: angus, significa lugar apertado. É isso que você sente quando está angustiado.

Quando qualquer angústia ameaça a sua integridade, a primeira coisa que lhe parece viável é dar um jeito de manipular a percepção para que você mesmo, já desnorteado, não sucumba diante de uma angústia sem nome e sem tamanho.

Entra em cena a manipulação da percepção. É simples! Você viu o que não queria ver? Então, faz que não viu. E faz tão bem feito que acaba não vendo, mesmo aquilo que viu. Você ouviu o que não precisava ouvir? Então, faz que não ouviu. E faz tão bem feito que acaba não ouvindo, mesmo aquilo que ouviu. Segue por aí. Quando alguém não quer se dar conta de algo – vendo, ouvindo, tocando, cheirando, sentindo – simplesmente, gira a chave, manipula a percepção, e nada disso acontece. O segredo estava naquilo que deveria ser percebido. Se não é mais... não é mais. O que não se encontra nos autos, não existe no mundo. Não é assim que se exprime a vetusta magistratura jurídica? Você que não é nem vetusto nem magistrado nem jurídico, sabe que é melhor não ver ou ouvir, do que ver e ouvir e se angustiar.

Entendeu?

O importante é reter isso: quando alguém manipula a percepção de algo, ele não “faz de conta” que não viu ou ouviu o que não queria ver ou ouvir. Ele realmente não viu nem ouviu. Ele baniu a percepção. A manipulação, quando bem feita, atinge pontos de excelência tão grandes, que aquilo que a pessoa não quer ver, ouvir ou sentir, simplesmente, sai do campo da percepção. Ela não vê, mesmo. Não ouve, mesmo. Não sente, mesmo. Dá até para mudar o antigo provérbio: “Pior cego é o que não quer ver”. Daqui pra frente, que tal “Melhor cego é aquele que não quer ver”?

E tudo por causa de quê? Tudo por causa dessa senhora incômoda chamada angústia. Ela é uma boa atriz. Ela convence. Convence você! Quando ela resolve aparecer, demais, faz estragos.

E aí, os mecanismos de defesa entram em cena para defender as suas fronteiras. As fronteiras do ego, pobre coitado, precisam de um “ministério da defesa” interno atuante para se defenderem. Mas o ministério falha (ta na moda isso!). E quando nada funciona, quando os mecanismos de defesa não dão conta das fronteiras internas, ainda resta um último mecanismo, forte, cansativo, difícil de ser contornado. É a racionalização: o último reduto de um ego sitiado num beco sem saída.

Racionalizar é diminuir o impacto de qualquer percepção ao mínimo ponderável possível. É quando a gente quer explicar tudo, pra gente mesmo e para os outros, mesmo aquilo que a gente já sabe que não tem explicação. Fazemos isso o tempo inteiro.

De repente, numa tarde quente de um dia de semana, estou eu no shopping com um baita sorvete na mão, quando sou abalroado por um indiscreto conhecido. Que logo vai disparando: Aí, Renato, passeando, hein! (Como se ele também não estivesse fazendo a mesma coisa!) E eu, constrangido, imediatamente, saco do bolso uma resposta que nem havia pensado antes: Não, só vim aqui pagar uma conta! Pobre di eu!

Não é assim? E precisa ser assim? Claro que não! Quando o outro disparou o “passeando, hein!”, eu poderia perfeitamente responder qualquer coisa como “Pois é!”. Teria sido, simplesmente, mais fácil e econômico concordar com ele, virar pro outro lado, e continuar minha vida e meu sorvete na tarde quente, não devendo nada pra ninguém. A vida é simples!

O fim do mundo é que, nesses casos, o raciocínio não conduz a cena dos muitos artistas no palco de mim mesmo. Pelo contrário, confunde ainda mais. Apaga fogo com gasolina. Quando mais se racionaliza, pior fica. No fim, o que eu quero dizer é que a racionalização, como todo mecanismo de defesa, é sempre a saída infantil à investida de um adulto.

Você, – digo eu – adulto, não precisamos disso.

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