Quando o sábio aponta a lua, o louco olha o dedo.
Desde muito cedo, fomos levados a deslocar sentimentos. Quando a gente era criança, se ficava descontente, atirava brinquedos, alvejava parentes, esganava o gato.
Ficamos bravos depois de “adultos”? Mole! Batemos a porta do carro, da geladeira, do microondas. Essa, aliás, é feita pra bater. Faz um “plóct” delicioso, e ali a gente descarrega tudo: raiva, fúria, ódio, frustração. Mesmo nem sempre sabendo direito de quê ou de quem. Mesmo quase nunca sabendo direito pra quê ou pra quem.
Pobre de quem cruzar nosso caminho num momento desses: corre o risco de ouvir coisas que não esperava. Despejamos a bacia de água suja com facilidade sobre o primeiro da lista, e com ela toda selvageria da amargura, sem que o outro tenha a menor noção do que fazer ali, com aquilo e daquilo. Pobre outro!
Essa é a “lógica” do deslocamento. Do “desloucamento”.
Quanta guerra, pública ou particular, foi declarada entre governos ou pessoas, em nome do deslocamento? Quanta gente que se ama, passou a se odiar, por conta do deslocamento? Quanto mal você fez a você mesmo, por exemplo, quando fumou demais, se embriagou demais, enfiou remédio goela abaixo demais (só) porque alguém lhe deu um fora? Já pensou? A propósito, o “demais” daí de cima saiu sem a menor necessidade. Tudo isso é sempre “demais”.
Não seria melhor parar de deslocar?
Quando o sábio aponta a lua, o louco olha o dedo. Olha porque não consegue olhar além do dedo? Olha porque nunca soube distinguir a lua? Olha porque só enxerga a ponta do nariz? Olha porque nunca se lhe passou pela cabeça que existisse nem lua nem luz nem nada além de um dedo?
Não sei. Só o que sei é isso: quando o sábio aponta a lua, o louco olha o dedo.
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