Tudo isso pode ser dito em outras palavras: é hora de mudar práticas e rever atitudes. Não adianta apenas pensar e concordar teoricamente que o mundo mudou e criou incentivos diferentes, caminhos alternativos e perigos novos. Isso não vai mudar nada se não vier acompanhado de uma mudança na forma de agir e de se posicionar diante da ética e da realidade. Mas, sobretudo, da realidade. É o real que comanda o espetáculo.
A ética, talvez, não mude. O que muda é o posicionamento diante da ética. A realidade continua a mesma. O que mudou foi a percepção da realidade. O problema é que a percepção da realidade, imposta pelo novo ambiente sociocultural em que estamos plantados, é algo ainda muito recente, nem sempre percebido e nem sempre considerado. A grande maioria simplesmente ignora o impacto real, prático e diário dessa tecnologia nas suas vidas, sobretudo, nas pequenas atitudes do dia-a-dia.
Na minha infância, o máximo da tecnologia caseira era colocar cabo na lata de óleo pra virar caneca. Agora já existe uma câmera até nas praças das pequenas cidades, mostrando para o mundo o que se passa ali. Falar em tecnologia é mais do que falar em equipamentos eletrônicos, computadores, notes, nets e a parafernália à venda em 15 prestações nas boas lojas do ramo. Querendo ou não, o ambiente tecnológico é o próprio ambiente social impregnado pela tecnologia em cada mínimo detalhe, misturado com ética e responsabilidade.
Não é mais possível crer que comportamentos que poderiam passar despercebidos e impunes até pouco tempo, irão continuar com esse salvo conduto. Ser ingênuo e inocente, hoje em dia, é desprezar os perigos embutidos em nossas ações, antes mesmo de praticá-las. Algumas práticas que eram válidas até uma década atrás, simplesmente, deixaram de ser. Algumas premissas de análise de uma década atrás, simplesmente, deixaram de existir.
ISSO NÃO SIGNIFICA JOGAR FORA TODAS AS CERTEZAS ACUMULADAS AO LONGO DA HISTÓRIA HUMANA.
Fundamental é perceber que precisamos nos esforçar para incorporar novas dúvidas aos nossos diagnósticos da realidade. É preciso ter a coragem de questionar as certezas até para atestar se elas ainda permanecem adequadas. Luz! Foi o que Deus criou no primeiro momento e o que Goethe pediu no último.
Ao mesmo tempo, é preciso buscar novos paradigmas e incorporá-los o quanto antes à vida prática.
A ética se baliza pela proximidade do outro. O outro nunca esteve tão próximo de nós. Nunca antes nossa imagem esteve tão virtualmente perto de todos os outros demais. Uma nova forma de ver impõe uma nova forma de se expor. Estamos a cada dia mais vulneráveis ao olhar do outro.
Nós já passamos pelo homo faber, pelo homo erectus, pelo homo sapiens e pelo sapiens sapiens. Terá chegado a vez do homo bytes?
Isso impõe uma nova forma de se ver e de ver o mundo. Que mundo nos espera? O que esperamos do mundo? Que ética teremos a oferecer para viver nesse mundo?
Tudo é novo demais quando o assunto é tecnologia. Tudo é velho demais quando o assunto é: Vamos mudar o que precisa ser mudado? Vamos, pelo menos, pensar?
Eu volto. E termino.
PÉ-DE-MOLEQUE
Crer é recusar o acaso.
sábado, 21 de abril de 2012
TECNOÉTICA – 3
Esses dados não são teoria. São uma realidade prática que se desdobra, todos os dias, em torno dos nossos olhos e que cria uma nova forma de ver o mundo e, consequentemente, uma forma nova de ser expor. Há um novo mundo entre as nossas rotinas e as nossas retinas.
Por falar em retina, toda transformação ética passa pela invasão do olhar: aquilo que foi chamado de tecnoética. A revolução tecnológica do olhar invadiu até a privacidade da sala de parto. Os partos, hoje, são filmados e exibidos na sala-de-visita para olhares indiscretos, impróprios e absolutamente fora de contexto. Um horror!
Quer mais?
Na noite de 31 de agosto de 1997, a princesa Diana faleceu num acidente de carro em Paris. Minutos antes, sua imagem, registrada a sua revelia, foi gravada saindo do hotel com o namorado. A câmera estava lá, registrando para a posteridade os últimos momentos da princesa. A imprensa levou a imagem para o mundo inteiro.
No dia 04 de fevereiro de 2002, Herbert Viana sofreu um acidente enquanto pilotava um ultraleve. Disso, resultou a perda da mulher. Ele sobrevoava uma praia deserta do RJ, mas alguém tirava fotos naquele final de tarde de domingo, e registrou a queda. A imprensa espalhou.
Do juiz Nicolau dos Santos Neto, a coisa fica ainda mais tenebrosa. Dois dos indícios para comprovar que ele havia enriquecido ilicitamente não foram produzidos pelos inimigos, mas por ele próprio: a foto ao lado de uma caríssima Lamborghini, feita pelo genro do juiz, e um vídeo filmado e narrado pelo próprio juiz dentro do apartamento de luxo nos EUA. Pode!
O exemplo pra lá de picante fica a cargo do príncipe Charles e sua conversa gravada com a, então, amante Camila Parker Bowles. Quem não se lembra da frase: Eu quero ser o seu tampax? Crem-dos-pai! Por que essa conversa íntima chegou até nós? E o presidente Bill Clinton que quase perdeu o cargo quando veio à tona o affair com uma estagiária da Casa Branca? A prova foi produzida pela tecnologia do DNA, quando se constatou sêmen presidencial no vestido da moça.
Lembram-se do juiz do Ceará, flagrado pelo circuito interno do supermercado quando atirou e matou um funcionário indefeso? E do juiz ladrão da FIFA, que teve conversas gravadas nas quais deliberava os resultados das partidas? E do atentado ao metrô de Londres, em 2005? As imagens da tragédia foram feitas por telefones celulares dos usuários do metrô. É a desgraça ao vivo, em cores, real time. Só faltou o cheiro.
O que esses exemplos mostram é que hoje estamos muito mais expostos do que nunca a todo tipo de olhar indiscreto e invasivo. Gente, tá tudo filmado! Embora muita gente continue subestimando ou ignorando as conseqüências de determinadas escolhas, elas não podem mais ser feitas a esmo.
A pergunta é: foi a ética, o olhar ou a engenhoca à disposição – o que mudou?
Feliz ou infelizmente, daqui pra frente, pra se falar em ética, terá que se falar em tecnoética. É que já é possível falar com câmeras e conversar com vestidos de estagiárias!
Por falar em retina, toda transformação ética passa pela invasão do olhar: aquilo que foi chamado de tecnoética. A revolução tecnológica do olhar invadiu até a privacidade da sala de parto. Os partos, hoje, são filmados e exibidos na sala-de-visita para olhares indiscretos, impróprios e absolutamente fora de contexto. Um horror!
Quer mais?
Na noite de 31 de agosto de 1997, a princesa Diana faleceu num acidente de carro em Paris. Minutos antes, sua imagem, registrada a sua revelia, foi gravada saindo do hotel com o namorado. A câmera estava lá, registrando para a posteridade os últimos momentos da princesa. A imprensa levou a imagem para o mundo inteiro.
No dia 04 de fevereiro de 2002, Herbert Viana sofreu um acidente enquanto pilotava um ultraleve. Disso, resultou a perda da mulher. Ele sobrevoava uma praia deserta do RJ, mas alguém tirava fotos naquele final de tarde de domingo, e registrou a queda. A imprensa espalhou.
Do juiz Nicolau dos Santos Neto, a coisa fica ainda mais tenebrosa. Dois dos indícios para comprovar que ele havia enriquecido ilicitamente não foram produzidos pelos inimigos, mas por ele próprio: a foto ao lado de uma caríssima Lamborghini, feita pelo genro do juiz, e um vídeo filmado e narrado pelo próprio juiz dentro do apartamento de luxo nos EUA. Pode!
O exemplo pra lá de picante fica a cargo do príncipe Charles e sua conversa gravada com a, então, amante Camila Parker Bowles. Quem não se lembra da frase: Eu quero ser o seu tampax? Crem-dos-pai! Por que essa conversa íntima chegou até nós? E o presidente Bill Clinton que quase perdeu o cargo quando veio à tona o affair com uma estagiária da Casa Branca? A prova foi produzida pela tecnologia do DNA, quando se constatou sêmen presidencial no vestido da moça.
Lembram-se do juiz do Ceará, flagrado pelo circuito interno do supermercado quando atirou e matou um funcionário indefeso? E do juiz ladrão da FIFA, que teve conversas gravadas nas quais deliberava os resultados das partidas? E do atentado ao metrô de Londres, em 2005? As imagens da tragédia foram feitas por telefones celulares dos usuários do metrô. É a desgraça ao vivo, em cores, real time. Só faltou o cheiro.
O que esses exemplos mostram é que hoje estamos muito mais expostos do que nunca a todo tipo de olhar indiscreto e invasivo. Gente, tá tudo filmado! Embora muita gente continue subestimando ou ignorando as conseqüências de determinadas escolhas, elas não podem mais ser feitas a esmo.
A pergunta é: foi a ética, o olhar ou a engenhoca à disposição – o que mudou?
Feliz ou infelizmente, daqui pra frente, pra se falar em ética, terá que se falar em tecnoética. É que já é possível falar com câmeras e conversar com vestidos de estagiárias!
TECNOÉTICA – 2
Antes de continuar essa boa prosa, é preciso distinguir ética e moral.
Moral vem de mores, que em latim significa costumes.
Ética vem de ethos, do grego, e indica aquilo que aponta uma direção a seguir. Mas não uma direção qualquer: trata-se de um sentido carregado de intenção. Ou seja, o sujeito vai por ali, não porque todo mundo vá, mas por saber que aquele é o seu caminho, que ele deve e quer ir por ali. Eticamente falando, não basta apenas fazer determinada coisa só porque todos fazem, mas porque é da minha intenção fazer aquilo ou seguir naquela direção.
Quando se fala em ética, entram em cena três atrizes principais de um mesmo filme: LIBERDADE, VONTADE e CONSCIÊNCIA.
Daí, que a ética é um conjunto de princípios que a gente usa para definir as três grandes questões da vida: QUERO, DEVO, POSSO? Tem coisas que eu quero, mas não devo, tem coisas que eu devo mais não posso, tem coisas que eu posso, mas não quero. E só é possível dizer que a gente alcança a paz de espírito quando essas coisas coincidem, ou seja, quando aquilo que a gente quer, a gente pode e a gente deve.
Quem normatiza essas coisas é o Grande Outro social.
Há 20 anos, haveria gente fumando dentro de um auditório. Há 10 anos, haveria uma placa: proibido fumar. Hoje, a placa já (quase) se faz desnecessária: o costume padrão foi introjetado. Há 20 anos era lindo fumar! Hoje...
Então, a ocasião não faz o ladrão? Não! A ocasião revela o ladrão. Quem não é ladrão, não é ladrão, e não há ocasião que o faça ser. O princípio ético se traduz numa prática moral. Daí a diferença entre moral e ética. A moral responde à pergunta: isso é certo ou errado? A ética responde à questão: se eu seguir esse caminho e se eu continuar por ele, aonde isso me levará?
Ficou claro?
Dito isso, retome a pergunta que ficou suspensa na última vez: Você vem atualizando seus conceitos com a mesma frequência com que troca o aparelho de TV, o tablet ou o celular?
O homem é um animal altamente adaptativo. A experiência mostra e História confirma que nos momentos de transição, a sobrevivência humana esteve estreitamente vinculada à capacidade de se adaptar. Eu sempre brinco que mais adaptáveis que os humanos, só os ratos: na fome, rato come até sabão!
A adaptação tem a manha de produzir um ponto novo de equilíbrio entre as práticas e os condicionamentos do passado e as novas condutas e os novos diagnósticos que precisam ser incorporados, para o presente e o futuro. Não é fácil perceber que uma das primeiras transformações que o momento exige é a de que você ajuste os ponteiros internos com o momento em que vive. Perca tudo, mas não perca a contemporaneidade.
E faz tão pouco tempo que passamos a viver noutro mundo que ainda não nos acostumamos a pensar diferente. Alguns dados podem exemplificar como a coisa anda, digo, voa.
Em 2004, a quantidade de máquinas fotográficas digitais produzidas foi de 6000 unidades a cada 60 minutos. No total, 74 milhões de unidades: 6 mil espiões novos por hora!
Em 2005, o volume de programação que as 31.750 emissoras de TV e as 51.120 emissoras de rádio do planeta transmitiram durante um período de 24 horas, foi de 2 séculos num único dia.
Ainda em 2005, a quantidade de câmeras de vídeos digitais vendidas foi de 18,5 milhões de unidades: 2 mil novos cineastas a cada hora. Também nesse ano, a estimativa de quantas câmeras de circuito fechado que vigiavam os espaços públicos no mundo era de 7 milhões de olhos. (Nessa conta, não estavam incluídos os espaços privados.) Só na Inglaterra, campeão absoluto de vigilância, havia 4,2 milhões de câmeras. Cada habitante de Londres era flagrado pelo menos 300 vezes por dia.
A cada segundo, acontece 1 milhão de clicks nas páginas da Internet. Se uma pessoa clicasse uma única vez a cada segundo, demoraria 12 dias clicando ininterruptamente até atingir 1 milhão de clicks, ou seja, demoraria 12 dias para repetir o que acontece no mundo a cada segundo.
A quantidade de fotos e vídeos transmitidos por celulares, só enquanto você estiver vendo estes números é de 30 mil. São 30.000 eternidades novas a cada lapso de tempo.
Se todos os integrantes acessassem a mesma página, ao mesmo tempo, no mundo inteiro, isso daria quase dois bilhões de usuários. Uma China inteira e mais um punhado de gente.
Existem 2.500.000 outdoors e painéis só das 5 maiores empresas de mídia exterior do mundo. Só no Brasil são mais de 40.000 painéis. 6.000 deles, só na cidade de São Paulo.
Caso todas as páginas existentes na Internet fossem transformadas em páginas de livros enfileirados, a estante teria 50 mil km. A rede mundial tem 700 bilhões de páginas – 100 para cada habitante do planeta. Uma estante dessas dimensões você pode acessar todos os dias. E, não fique triste, porque ela se encontra em contínua expansão.
Termino lembrando que muitos desses números se remetem a 2006. De lá pra cá... De lá pra cá...
Moral vem de mores, que em latim significa costumes.
Ética vem de ethos, do grego, e indica aquilo que aponta uma direção a seguir. Mas não uma direção qualquer: trata-se de um sentido carregado de intenção. Ou seja, o sujeito vai por ali, não porque todo mundo vá, mas por saber que aquele é o seu caminho, que ele deve e quer ir por ali. Eticamente falando, não basta apenas fazer determinada coisa só porque todos fazem, mas porque é da minha intenção fazer aquilo ou seguir naquela direção.
Quando se fala em ética, entram em cena três atrizes principais de um mesmo filme: LIBERDADE, VONTADE e CONSCIÊNCIA.
Daí, que a ética é um conjunto de princípios que a gente usa para definir as três grandes questões da vida: QUERO, DEVO, POSSO? Tem coisas que eu quero, mas não devo, tem coisas que eu devo mais não posso, tem coisas que eu posso, mas não quero. E só é possível dizer que a gente alcança a paz de espírito quando essas coisas coincidem, ou seja, quando aquilo que a gente quer, a gente pode e a gente deve.
Quem normatiza essas coisas é o Grande Outro social.
Há 20 anos, haveria gente fumando dentro de um auditório. Há 10 anos, haveria uma placa: proibido fumar. Hoje, a placa já (quase) se faz desnecessária: o costume padrão foi introjetado. Há 20 anos era lindo fumar! Hoje...
Então, a ocasião não faz o ladrão? Não! A ocasião revela o ladrão. Quem não é ladrão, não é ladrão, e não há ocasião que o faça ser. O princípio ético se traduz numa prática moral. Daí a diferença entre moral e ética. A moral responde à pergunta: isso é certo ou errado? A ética responde à questão: se eu seguir esse caminho e se eu continuar por ele, aonde isso me levará?
Ficou claro?
Dito isso, retome a pergunta que ficou suspensa na última vez: Você vem atualizando seus conceitos com a mesma frequência com que troca o aparelho de TV, o tablet ou o celular?
O homem é um animal altamente adaptativo. A experiência mostra e História confirma que nos momentos de transição, a sobrevivência humana esteve estreitamente vinculada à capacidade de se adaptar. Eu sempre brinco que mais adaptáveis que os humanos, só os ratos: na fome, rato come até sabão!
A adaptação tem a manha de produzir um ponto novo de equilíbrio entre as práticas e os condicionamentos do passado e as novas condutas e os novos diagnósticos que precisam ser incorporados, para o presente e o futuro. Não é fácil perceber que uma das primeiras transformações que o momento exige é a de que você ajuste os ponteiros internos com o momento em que vive. Perca tudo, mas não perca a contemporaneidade.
E faz tão pouco tempo que passamos a viver noutro mundo que ainda não nos acostumamos a pensar diferente. Alguns dados podem exemplificar como a coisa anda, digo, voa.
Em 2004, a quantidade de máquinas fotográficas digitais produzidas foi de 6000 unidades a cada 60 minutos. No total, 74 milhões de unidades: 6 mil espiões novos por hora!
Em 2005, o volume de programação que as 31.750 emissoras de TV e as 51.120 emissoras de rádio do planeta transmitiram durante um período de 24 horas, foi de 2 séculos num único dia.
Ainda em 2005, a quantidade de câmeras de vídeos digitais vendidas foi de 18,5 milhões de unidades: 2 mil novos cineastas a cada hora. Também nesse ano, a estimativa de quantas câmeras de circuito fechado que vigiavam os espaços públicos no mundo era de 7 milhões de olhos. (Nessa conta, não estavam incluídos os espaços privados.) Só na Inglaterra, campeão absoluto de vigilância, havia 4,2 milhões de câmeras. Cada habitante de Londres era flagrado pelo menos 300 vezes por dia.
A cada segundo, acontece 1 milhão de clicks nas páginas da Internet. Se uma pessoa clicasse uma única vez a cada segundo, demoraria 12 dias clicando ininterruptamente até atingir 1 milhão de clicks, ou seja, demoraria 12 dias para repetir o que acontece no mundo a cada segundo.
A quantidade de fotos e vídeos transmitidos por celulares, só enquanto você estiver vendo estes números é de 30 mil. São 30.000 eternidades novas a cada lapso de tempo.
Se todos os integrantes acessassem a mesma página, ao mesmo tempo, no mundo inteiro, isso daria quase dois bilhões de usuários. Uma China inteira e mais um punhado de gente.
Existem 2.500.000 outdoors e painéis só das 5 maiores empresas de mídia exterior do mundo. Só no Brasil são mais de 40.000 painéis. 6.000 deles, só na cidade de São Paulo.
Caso todas as páginas existentes na Internet fossem transformadas em páginas de livros enfileirados, a estante teria 50 mil km. A rede mundial tem 700 bilhões de páginas – 100 para cada habitante do planeta. Uma estante dessas dimensões você pode acessar todos os dias. E, não fique triste, porque ela se encontra em contínua expansão.
Termino lembrando que muitos desses números se remetem a 2006. De lá pra cá... De lá pra cá...
sexta-feira, 13 de abril de 2012
TECNOÉTICA - 1
E por falar em anencefálicos...
Acabamos de assistir à votação da descriminalização do aborto em anencefálicos pelo STF. É uma boa hora para se repensar as questões éticas.
Quando aparece a palavra “ética”, a primeira pergunta que sobe à tona é: as regras mudam, e elas podem mudar? Dito de outra forma: a ética têm fronteiras? Se tem, quais são e onde estão as fronteiras da ética?
Imploro o benefício da dúvida para fazer uma afirmação que terei de sustentar ao longo de todo texto, e eu não sei onde estou com a cabeça de fazer uma coisa dessas, quando todas as portas do shopping, escancaradas, reclamam minha ilustre presença por lá. Tsss... Coragem!
A afirmação é esta: Sim, existem fronteiras para a ética e essas fronteiras (como qualquer fronteira) se deslocam. A História mostra isso.
Na História do mundo toda vez que a espécie humana experimentou um salto tecnológico houve uma transformação nas regras de convívio, na moral e nos códigos de ética. Observem.
Quando o homem inventou a agricultura, ele experimentou um poderoso avanço tecnológico e, junto, como consequência, um baita avanço ético. É que quando homem ainda era nômade e vivia da coleta de alimentos, não havia como produzir nem como estocar os excedentes. Se houvesse uma guerra e a tribo inimiga fosse aprisionada, seria impraticável aprisionar os reféns. Não havia como alimentá-los. Resultado? Ou os reféns eram dizimados ou eram devorados, geralmente, a segunda coisa depois da primeira.
Com o surgimento da agricultura, o homem troca a vida nômade pela vida sedentária e se fixa num território. Surge a escravidão e o casamento (quase na mesma ordem!). O casamento para erigir herdeiros. A escravidão para construir o que deixar para os herdeiros.
Dali pra frente, toda vez que havia um conflito tribal, nos mesmos moldes de antes, já havia excedentes de alimentos. Ao invés do puro e simples extermínio, agora, os reféns viravam escravos. Olha que beleza! Eles já não eram mais mortos nem devorados. A agricultura, por si só, produziu um avanço tecnológico e ético considerável. É claro que a escravidão é abominável sob qualquer ponto de vista. Mas, naquele contexto primitivo, foi passo à frente em relação ao canibalismo. Seja como for, o valor ético da vida começava a ser respeitado. E observem: como decorrência do avanço tecnológico. Estava-se ainda muito longe do ideal, mas já era melhor do que antes!
Mais um exemplo.
A revolução industrial foi possível graças à invenção do vapor e as primeiras linhas de produção. O trabalho braçal – cru – começava a ser dispensado, substituído pelas máquinas. Ora isso aumentou a produção. O fato de haver mais produção dispensava o braço, mas exigia o bolso. Era preciso ter mais gente para comprar o excesso produzido. Essa nova ordem econômica se tornou incompatível com a escravidão. Era preciso que houvesse homens livres, que vendessem a sua força de trabalho, e em troca fossem remunerados para... consumir.
Olha aí, gente! a agricultura havia posto um fim no canibalismo, mas criado a escravidão. As linhas de produção puseram um fim na escravidão, mas criaram uma nova ética: a da sociedade de consumo.
O SALTO ÉTICO NÃO ACONTECE PORQUE O HOMEM “MELHORA” OU FICA BONZINHO. O SALTO ÉTICO ACONTECE PORQUE A NECESSIDADE EXIGE.
E mais. Essas engrenagens movem-se por si. Os novos valores que surgem na esteira dos grandes avanços e das transformações não foram frutos apenas de consensos abstratos. Eles se impuseram de acordo e a partir da nova lógica que passava a surgir. Repito. O salto ético não acontece porque o homem “melhora” ou fica bonzinho. O salto ético acontece porque a necessidade exige.
Então, ao invés de falar de ética, precisamos falar de tecnoética. A questão que se coloca não é mais se a ética muda ou não muda, mas a velocidade em que muda.
Em 1943, a questão ainda podia ser se as regras mudavam. Em 1943, a Normandia ainda não havia sido invadida e a II Grande Guerra ainda não havia mudado a favor dos Aliados. De lá pra cá, o mundo virou no avesso um punhado de vezes!
A pergunta de hoje é outra, e a agulhada dói mais. A pergunta é esta: Você vem atualizando seus conceitos com a mesma frequência com que troca o aparelho de TV, o tablet ou o celular?
Eu continuo tá!
Acabamos de assistir à votação da descriminalização do aborto em anencefálicos pelo STF. É uma boa hora para se repensar as questões éticas.
Quando aparece a palavra “ética”, a primeira pergunta que sobe à tona é: as regras mudam, e elas podem mudar? Dito de outra forma: a ética têm fronteiras? Se tem, quais são e onde estão as fronteiras da ética?
Imploro o benefício da dúvida para fazer uma afirmação que terei de sustentar ao longo de todo texto, e eu não sei onde estou com a cabeça de fazer uma coisa dessas, quando todas as portas do shopping, escancaradas, reclamam minha ilustre presença por lá. Tsss... Coragem!
A afirmação é esta: Sim, existem fronteiras para a ética e essas fronteiras (como qualquer fronteira) se deslocam. A História mostra isso.
Na História do mundo toda vez que a espécie humana experimentou um salto tecnológico houve uma transformação nas regras de convívio, na moral e nos códigos de ética. Observem.
Quando o homem inventou a agricultura, ele experimentou um poderoso avanço tecnológico e, junto, como consequência, um baita avanço ético. É que quando homem ainda era nômade e vivia da coleta de alimentos, não havia como produzir nem como estocar os excedentes. Se houvesse uma guerra e a tribo inimiga fosse aprisionada, seria impraticável aprisionar os reféns. Não havia como alimentá-los. Resultado? Ou os reféns eram dizimados ou eram devorados, geralmente, a segunda coisa depois da primeira.
Com o surgimento da agricultura, o homem troca a vida nômade pela vida sedentária e se fixa num território. Surge a escravidão e o casamento (quase na mesma ordem!). O casamento para erigir herdeiros. A escravidão para construir o que deixar para os herdeiros.
Dali pra frente, toda vez que havia um conflito tribal, nos mesmos moldes de antes, já havia excedentes de alimentos. Ao invés do puro e simples extermínio, agora, os reféns viravam escravos. Olha que beleza! Eles já não eram mais mortos nem devorados. A agricultura, por si só, produziu um avanço tecnológico e ético considerável. É claro que a escravidão é abominável sob qualquer ponto de vista. Mas, naquele contexto primitivo, foi passo à frente em relação ao canibalismo. Seja como for, o valor ético da vida começava a ser respeitado. E observem: como decorrência do avanço tecnológico. Estava-se ainda muito longe do ideal, mas já era melhor do que antes!
Mais um exemplo.
A revolução industrial foi possível graças à invenção do vapor e as primeiras linhas de produção. O trabalho braçal – cru – começava a ser dispensado, substituído pelas máquinas. Ora isso aumentou a produção. O fato de haver mais produção dispensava o braço, mas exigia o bolso. Era preciso ter mais gente para comprar o excesso produzido. Essa nova ordem econômica se tornou incompatível com a escravidão. Era preciso que houvesse homens livres, que vendessem a sua força de trabalho, e em troca fossem remunerados para... consumir.
Olha aí, gente! a agricultura havia posto um fim no canibalismo, mas criado a escravidão. As linhas de produção puseram um fim na escravidão, mas criaram uma nova ética: a da sociedade de consumo.
O SALTO ÉTICO NÃO ACONTECE PORQUE O HOMEM “MELHORA” OU FICA BONZINHO. O SALTO ÉTICO ACONTECE PORQUE A NECESSIDADE EXIGE.
E mais. Essas engrenagens movem-se por si. Os novos valores que surgem na esteira dos grandes avanços e das transformações não foram frutos apenas de consensos abstratos. Eles se impuseram de acordo e a partir da nova lógica que passava a surgir. Repito. O salto ético não acontece porque o homem “melhora” ou fica bonzinho. O salto ético acontece porque a necessidade exige.
Então, ao invés de falar de ética, precisamos falar de tecnoética. A questão que se coloca não é mais se a ética muda ou não muda, mas a velocidade em que muda.
Em 1943, a questão ainda podia ser se as regras mudavam. Em 1943, a Normandia ainda não havia sido invadida e a II Grande Guerra ainda não havia mudado a favor dos Aliados. De lá pra cá, o mundo virou no avesso um punhado de vezes!
A pergunta de hoje é outra, e a agulhada dói mais. A pergunta é esta: Você vem atualizando seus conceitos com a mesma frequência com que troca o aparelho de TV, o tablet ou o celular?
Eu continuo tá!
domingo, 1 de abril de 2012
LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 26
E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)
Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11
No capítulo seguinte, Jesus se encontra à mesa, numa ceia fúnebre. “Marta servia, e Lázaro se encontra à mesa com ele” (Jo 12,2). E nós não precisamos perguntar de que jeito Lázaro se encontrava à mesa com ele. Encontrava-se. Ponto.
Maria é quem mais demonstra o núcleo da mudança que ocorreu nos três irmãos, após as mutações que ocorreram em Lázaro e em Jesus. Ela, apenas passiva aos pés de Jesus, na cena de Lucas, agora, torna-se ativa. Quebra uma libra de perfume, de nardo puro e muito caro, unge com ele os pés de Jesus e os enxuga com seus cabelos. E a casa inteira se enche com o perfume (Jo 12, 3).
Maria, a irmã de Lázaro, reviveu. Reviveu nela a dinâmica de um desejo que vai além da passividade. Ela deixou de ser criança e se tornou mulher, capaz de agir tudo o que pode agir e de dar tudo o que tem para dar. Aquela que bebia Jesus com os olhos, agora, derrama em seus pés o perfume de um amor muito raro e muito caro. Ela continua aos pés de Jesus. Mas não mais como antes, quando ela só recebia. Agora, já pode dar. O perfume é o íntimo mais íntimo do seu ser mulher.
Mas duas coisas precisam ser ditas.
Primeira: todos os outros, presentes à cena, também podem receber a manifestação daquele amor. O perfume se espalhou e encheu a casa inteira. Ao contrário de Lázaro, Maria ama com o amor que sabe amar, mas não para reter para si o objeto de um amor exclusivista.
Lucas narra uma cena parecida, mas de modo diferente (Lc 7,36). Para Lucas, trata-se de uma mulher de vida duvidosa. Em João, quem está aos pés de Jesus é Maria, irmã de Lázaro, de vida acima de qualquer dúvida. No entanto, na essência do seu modo de amar, aquelas duas mulheres, tão diferentes, realizam a mesma coisa. Elas que antes viviam no anonimato, agora podem “oferecer” – e em público, aos olhos de todos – as provas do seu amor. Declaram o seu amor por Jesus, mas, ao contrário de Lázaro, não o querem somente para si. Amando, como o feminino consegue amar, elas sabem, com uma clareza sem precedentes, que ele não lhes pertence, nem a elas nem a ninguém.
Segunda: não foi apenas Lázaro que mudou. Maria também mudou. E seria pedir muito, dizer que Jesus também mudou? A Judas que reclama do valor desperdiçado, Jesus responde: “Ela guardou esse perfume para o meu sepultamento”. Naquele momento, Jesus opera a mesma ruptura de antes, com Lázaro. Mas agora, la chose acontece entre ele e Maria. Ela erotiza a sua homenagem. Ele aceita aquele amor, mas responde, dizendo-lhe que já não é mais para esta forma de ser amado que ele pretende deixar-se amar. Ele não pode pertencer a ela, porque não pertence mais a ninguém, nem a si mesmo. Maria entendeu, porque algo nela já havia mudado.
Em Caná, Maria de Nazaré, pela mutação do vinho, havia revelado a Jesus que a sua hora de entrar no mundo havia chegado. Da mesma forma, Maria de Betânia, com seu perfume, lhe revelou, pela mutação de seu amor, que a sua hora de sair do mundo estava próxima. Tempo de mudanças e mutações.
João 11 é o capítulo das mudanças necessárias e não prorrogáveis nas motivações escondidas nas dobras da vida e do amor. Um grande momento de mutação para todos: Lázaro, Marta, Maria e Jesus.
João 11 é o capítulo que abre a narrativa da Paixão. É que a morte não tem a última palavra. Nesse caso, ao que tudo indica, só tem a primeira.
FIM
Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11
No capítulo seguinte, Jesus se encontra à mesa, numa ceia fúnebre. “Marta servia, e Lázaro se encontra à mesa com ele” (Jo 12,2). E nós não precisamos perguntar de que jeito Lázaro se encontrava à mesa com ele. Encontrava-se. Ponto.
Maria é quem mais demonstra o núcleo da mudança que ocorreu nos três irmãos, após as mutações que ocorreram em Lázaro e em Jesus. Ela, apenas passiva aos pés de Jesus, na cena de Lucas, agora, torna-se ativa. Quebra uma libra de perfume, de nardo puro e muito caro, unge com ele os pés de Jesus e os enxuga com seus cabelos. E a casa inteira se enche com o perfume (Jo 12, 3).
Maria, a irmã de Lázaro, reviveu. Reviveu nela a dinâmica de um desejo que vai além da passividade. Ela deixou de ser criança e se tornou mulher, capaz de agir tudo o que pode agir e de dar tudo o que tem para dar. Aquela que bebia Jesus com os olhos, agora, derrama em seus pés o perfume de um amor muito raro e muito caro. Ela continua aos pés de Jesus. Mas não mais como antes, quando ela só recebia. Agora, já pode dar. O perfume é o íntimo mais íntimo do seu ser mulher.
Mas duas coisas precisam ser ditas.
Primeira: todos os outros, presentes à cena, também podem receber a manifestação daquele amor. O perfume se espalhou e encheu a casa inteira. Ao contrário de Lázaro, Maria ama com o amor que sabe amar, mas não para reter para si o objeto de um amor exclusivista.
Lucas narra uma cena parecida, mas de modo diferente (Lc 7,36). Para Lucas, trata-se de uma mulher de vida duvidosa. Em João, quem está aos pés de Jesus é Maria, irmã de Lázaro, de vida acima de qualquer dúvida. No entanto, na essência do seu modo de amar, aquelas duas mulheres, tão diferentes, realizam a mesma coisa. Elas que antes viviam no anonimato, agora podem “oferecer” – e em público, aos olhos de todos – as provas do seu amor. Declaram o seu amor por Jesus, mas, ao contrário de Lázaro, não o querem somente para si. Amando, como o feminino consegue amar, elas sabem, com uma clareza sem precedentes, que ele não lhes pertence, nem a elas nem a ninguém.
Segunda: não foi apenas Lázaro que mudou. Maria também mudou. E seria pedir muito, dizer que Jesus também mudou? A Judas que reclama do valor desperdiçado, Jesus responde: “Ela guardou esse perfume para o meu sepultamento”. Naquele momento, Jesus opera a mesma ruptura de antes, com Lázaro. Mas agora, la chose acontece entre ele e Maria. Ela erotiza a sua homenagem. Ele aceita aquele amor, mas responde, dizendo-lhe que já não é mais para esta forma de ser amado que ele pretende deixar-se amar. Ele não pode pertencer a ela, porque não pertence mais a ninguém, nem a si mesmo. Maria entendeu, porque algo nela já havia mudado.
Em Caná, Maria de Nazaré, pela mutação do vinho, havia revelado a Jesus que a sua hora de entrar no mundo havia chegado. Da mesma forma, Maria de Betânia, com seu perfume, lhe revelou, pela mutação de seu amor, que a sua hora de sair do mundo estava próxima. Tempo de mudanças e mutações.
João 11 é o capítulo das mudanças necessárias e não prorrogáveis nas motivações escondidas nas dobras da vida e do amor. Um grande momento de mutação para todos: Lázaro, Marta, Maria e Jesus.
João 11 é o capítulo que abre a narrativa da Paixão. É que a morte não tem a última palavra. Nesse caso, ao que tudo indica, só tem a primeira.
FIM
LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 25
E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)
Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11
Já foi dito o quanto Jesus estava comprometido com esse sétimo sinal. O sinal de Lázaro comporta duas mutações num layout paralelo: a mutação de Lázaro e a mutação de Jesus.
Se Jesus caminha ao encontro de Lázaro é para compreender o que acontece dentro de si mesmo. Jesus precisa conhecer o seu amor, precisa saber, especialmente naquela hora, o quanto ainda necessitava de amigos, o quanto ainda se prendia a eles, e o quanto eles o prendiam por amá-lo como amavam. Sua Hora estava chegando, e ele não dispunha mais de tempo para se prender por aí, em amores lícitos e desejáveis, mas que não faziam parte do seu projeto. Na medida em que sua Hora se aproximava, com ela se aproximava também o momento de se desfazer dos nós que se pudessem tornar empecilhos à sua Hora.
Então, num rugido sem precedentes e sem calcular as próprias perdas, Jesus se separa deles. “Lázaro, sai para fora!” Lázaro, sai para fora dessa relação. Corte os cordões umbilicais que ainda nos prendem um ao outro. Liberte-se de mim. Eu me libertarei de você. Jesus, o de Nazaré, se desapega daquilo que ainda ficou nele de amor transferencial, passional e exclusivo. Renuncia-se a si mesmo. Livra-se de Lázaro, desperta-o e o faz existir para ele mesmo, como só pode acontecer a quem se torna adulto.
É como se, naquele momento, Jesus passasse a ser apenas a placenta abandonada, e Lázaro, um feto recém-nascido, ainda envolto em suas faixas. É hora de Lázaro crescer e se transformar em adulto. Ele não precisa mais ser carregado por ninguém. Só nessa condição, ele pode amar Jesus. Só falta o “Desamarrem e deixem que ele se vá”. Não diz “que ele venha”, mas, “que ele se vá”. Pronto. Ele já pode ir. Lázaro já pode ir. Jesus, também.
O relato de Lázaro antecede e prepara o relato da Paixão e Morte. Não poderia vir antes nem depois. Só tem lugar ali, exatamente ali, onde foi colocado. Naquele momento, morre em Jesus o resto que havia das transferências de um amor que espera ser amado. Naquele momento, e ali mesmo, tem início a Paixão.
No deserto, os objetos e as motivações de que o adversário dispunha eram sedutores para qualquer um. Mas ele, em si mesmo, não era sedutor nem merecia ser amado. Daquela tentação, Jesus saiu vencedor.
Na casa de Betânia, as coisas eram diferentes. Não havia motivações ou objetos sedutores. Mas as pessoas eram sedutoras, lindas, amavam e podiam ser amadas. Aliás, como era fácil amar, naquele lugar! Lá, Jesus era entendido, consolado. Amava e era amado, por sua própria beleza, como pode acontecer e acontece a qualquer um. Ninguém nunca pensou nisso, mas em Betânia encontrava-se a última tentação de Cristo.
A maneira pela qual Jesus realiza essa separação, mutante para ele e para Lázaro, é particularmente heróica, e prefigura o desapego último e supremo da Paixão. Ao sair do túmulo de sua neurose, o homem Lázaro está pronto para a vida. O evangelho não menciona nenhum olhar, nenhum agradecimento. Isso significa que o homem Jesus está pronto para a morte. Dentro dele, ele já morreu, para si mesmo.
É a sua hora.
Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11
Já foi dito o quanto Jesus estava comprometido com esse sétimo sinal. O sinal de Lázaro comporta duas mutações num layout paralelo: a mutação de Lázaro e a mutação de Jesus.
Se Jesus caminha ao encontro de Lázaro é para compreender o que acontece dentro de si mesmo. Jesus precisa conhecer o seu amor, precisa saber, especialmente naquela hora, o quanto ainda necessitava de amigos, o quanto ainda se prendia a eles, e o quanto eles o prendiam por amá-lo como amavam. Sua Hora estava chegando, e ele não dispunha mais de tempo para se prender por aí, em amores lícitos e desejáveis, mas que não faziam parte do seu projeto. Na medida em que sua Hora se aproximava, com ela se aproximava também o momento de se desfazer dos nós que se pudessem tornar empecilhos à sua Hora.
Então, num rugido sem precedentes e sem calcular as próprias perdas, Jesus se separa deles. “Lázaro, sai para fora!” Lázaro, sai para fora dessa relação. Corte os cordões umbilicais que ainda nos prendem um ao outro. Liberte-se de mim. Eu me libertarei de você. Jesus, o de Nazaré, se desapega daquilo que ainda ficou nele de amor transferencial, passional e exclusivo. Renuncia-se a si mesmo. Livra-se de Lázaro, desperta-o e o faz existir para ele mesmo, como só pode acontecer a quem se torna adulto.
É como se, naquele momento, Jesus passasse a ser apenas a placenta abandonada, e Lázaro, um feto recém-nascido, ainda envolto em suas faixas. É hora de Lázaro crescer e se transformar em adulto. Ele não precisa mais ser carregado por ninguém. Só nessa condição, ele pode amar Jesus. Só falta o “Desamarrem e deixem que ele se vá”. Não diz “que ele venha”, mas, “que ele se vá”. Pronto. Ele já pode ir. Lázaro já pode ir. Jesus, também.
O relato de Lázaro antecede e prepara o relato da Paixão e Morte. Não poderia vir antes nem depois. Só tem lugar ali, exatamente ali, onde foi colocado. Naquele momento, morre em Jesus o resto que havia das transferências de um amor que espera ser amado. Naquele momento, e ali mesmo, tem início a Paixão.
No deserto, os objetos e as motivações de que o adversário dispunha eram sedutores para qualquer um. Mas ele, em si mesmo, não era sedutor nem merecia ser amado. Daquela tentação, Jesus saiu vencedor.
Na casa de Betânia, as coisas eram diferentes. Não havia motivações ou objetos sedutores. Mas as pessoas eram sedutoras, lindas, amavam e podiam ser amadas. Aliás, como era fácil amar, naquele lugar! Lá, Jesus era entendido, consolado. Amava e era amado, por sua própria beleza, como pode acontecer e acontece a qualquer um. Ninguém nunca pensou nisso, mas em Betânia encontrava-se a última tentação de Cristo.
A maneira pela qual Jesus realiza essa separação, mutante para ele e para Lázaro, é particularmente heróica, e prefigura o desapego último e supremo da Paixão. Ao sair do túmulo de sua neurose, o homem Lázaro está pronto para a vida. O evangelho não menciona nenhum olhar, nenhum agradecimento. Isso significa que o homem Jesus está pronto para a morte. Dentro dele, ele já morreu, para si mesmo.
É a sua hora.
sábado, 31 de março de 2012
LÁZARO, SAI DESSA, RAPAZ! – 24
E Jesus gritou com voz forte: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo mãos e pés amarrados com faixas, e o rosto envolto num sudário. Disse-lhes Jesus: Desliguem-no e deixem-no ir. (João 11,43-44)
Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11
No fim das contas, onde ficou Marta? Marta não ficou, saiu. Não aparece mais em lugar algum. Não é estranho que, entre as mulheres, ao pé da cruz, não se encontrassem as duas irmãs de Betânia? Até a geografia contribuía. Mas não estão lá. Marta some do mapa, torna-se invisível. Como uma figura emblemática, ela condensa o feminino de todos os tempos, e o horror à mulher compartilhado pelos homens, desde a noite dos tempos. Tirada da costela de Adão, coparticipante do mesmo projeto divino, igual em dignidade e valor, nada disso foi ou continua suficiente para fazer da mulher uma... igual.
Ao perfume de Maria “que encheu a casa toda” corresponde o mau cheiro anunciado por Marta. Perfume e mau cheiro falam de uma mesma percepção, avaliada diferentemente conforme a situação que em cada um se encontra. O perfume evoca sublimação, um conceito difícil de entender.
Sublimar é morrer um pouco.
há diferentes perfumes. Os perfumes, de Maria e de Nicodemos, aparecem na proximidade, ainda que contingente, da morte. Mas observem que algo muda: muda o modo e a quantidade como aparecem no texto. Maria leva 1 libra. Nicodemos, 100 libras. São intensidades diferentes numa mesma relação. Para Maria, existe uma relação onde investir. Se o que ela leva é uma libra de perfume, nem precisa mais: é nardo puro, raro e de valor excepcional. A casa toda se enche com o perfume de Maria (Jo 12,3). Tal como a sua relação com o Rabi. É o perfume da vida.
Para Nicodemos, ao contrário, a relação não existe mais, porque nunca existiu. Nicodemos foi aquele que se encontrou com Jesus, à noite, por medo. Que relação consegue se constituir em meio ao medo? Que eu saiba, nenhuma, sadia. O perfume de Nicodemos é o perfume do medo no umbral da morte. Tal como a sua relação.
Sublimar é morrer um pouco.
Mas é a morte da semente, e só. Morre-se semente, para voltar árvore. É impressionante a contemporaneidade do evangelho! O que mal sabemos, hoje, eles, bem lá atrás, já conheciam.
Um caso de melancolia numa casa de Betânia
João 11
No fim das contas, onde ficou Marta? Marta não ficou, saiu. Não aparece mais em lugar algum. Não é estranho que, entre as mulheres, ao pé da cruz, não se encontrassem as duas irmãs de Betânia? Até a geografia contribuía. Mas não estão lá. Marta some do mapa, torna-se invisível. Como uma figura emblemática, ela condensa o feminino de todos os tempos, e o horror à mulher compartilhado pelos homens, desde a noite dos tempos. Tirada da costela de Adão, coparticipante do mesmo projeto divino, igual em dignidade e valor, nada disso foi ou continua suficiente para fazer da mulher uma... igual.
Ao perfume de Maria “que encheu a casa toda” corresponde o mau cheiro anunciado por Marta. Perfume e mau cheiro falam de uma mesma percepção, avaliada diferentemente conforme a situação que em cada um se encontra. O perfume evoca sublimação, um conceito difícil de entender.
Sublimar é morrer um pouco.
há diferentes perfumes. Os perfumes, de Maria e de Nicodemos, aparecem na proximidade, ainda que contingente, da morte. Mas observem que algo muda: muda o modo e a quantidade como aparecem no texto. Maria leva 1 libra. Nicodemos, 100 libras. São intensidades diferentes numa mesma relação. Para Maria, existe uma relação onde investir. Se o que ela leva é uma libra de perfume, nem precisa mais: é nardo puro, raro e de valor excepcional. A casa toda se enche com o perfume de Maria (Jo 12,3). Tal como a sua relação com o Rabi. É o perfume da vida.
Para Nicodemos, ao contrário, a relação não existe mais, porque nunca existiu. Nicodemos foi aquele que se encontrou com Jesus, à noite, por medo. Que relação consegue se constituir em meio ao medo? Que eu saiba, nenhuma, sadia. O perfume de Nicodemos é o perfume do medo no umbral da morte. Tal como a sua relação.
Sublimar é morrer um pouco.
Mas é a morte da semente, e só. Morre-se semente, para voltar árvore. É impressionante a contemporaneidade do evangelho! O que mal sabemos, hoje, eles, bem lá atrás, já conheciam.
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